segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Questões de fundo na nova evangelização



Seg, 22 de Outubro de 2012 08:52 por: Jornal O São Paulo / Arquidiocese de São Paulo

A 13ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos está revelando um consenso geral sobre a necessidade de promover uma nova evangelização. Mas as implicações dessa ação da Igreja nem sempre são compreendidas da mesma maneira, dependendo do contexto histórico, sócio-cultural e religioso de cada Continente e país onde a Igreja atua. Nesta entrevista concedida ao jornal O São Paulo, o cardeal Odilo Scherer trata de algumas questões são fundamentais para a nova evangelização e a transmissão da fé.

O SÃO PAULO – Por que é necessária uma nova evangelização?

Antes de tudo, porque a Igreja é missionária por sua própria natureza e ela não poderia nunca deixar de evangelizar; hoje, isso precisa ser feito de formas novas, tendo em vista as grandes mudanças pelas quais o mundo passa, as formas diversas como as pessoas olham a vida, os valores que as orientam, como se relacionam entre si e como expressam a própria busca religiosa.


OSP - Que fatores adversos a missão evangelizadora da Igreja encontra hoje?
São vários, mas vou destacar alguns, que decorrem da evolução do pensamento filosófico dos últimos séculos e também do desenvolvimento tecnológico atual. A secularização trouxe consigo o secularismo, que exclui Deus do mundo e da vida humana; Deus é visto por muitos como supérfluo, desinteressante para as pretensões humanas e até um atrapalho para a felicidade humana. Além disso, pretende-se que o mundo se explica por si mesmo. Mas também há o individualismo, que coloca o indivíduo no centro de tudo, como se o homem fosse o seu próprio “deus”... Daí decorre o subjetivismo, que não reconhece verdades “externas” ao sujeito; com isso, nega-se a possibilidade de ter noções comuns sobre o ser humano, por exemplo, e de princípios éticos comuns. Cada um “é” a própria verdade. Evidentemente, o Cristianismo, que tem sua base na revelação divina, não encontra espaço nesse estado de espírito.

OSP – A religião deixou de interessar ao homem de hoje?
Certamente não, tendo em vista a abundância de propostas religiosas e o constante surgimento de novas. Isso demonstra que o ser humano, no fundo, está à procura de Deus. Mas é preciso examinar as muitas buscas religiosas; por vezes, também elas trazem uma forte marca de individualismo e subjetivismo, estando mais centradas no próprio sujeito, na satisfação de suas necessidades e anseios imediatos, ou de seus sonhos para a vida neste mundo, do que numa relação com o Deus sobrenatural, transcendente e pessoal. Com dificuldade, aceita-se falar na verdade sobre Deus e o homem, ou sobre a adoração e a obediência devidas a Deus. Mas aceita-se bem uma religião “útil”, que ajude a resolver os problemas do dia a dia; os critérios da eficácia e da utilidade, muito comuns na cultura tecnicista e mercadológica, também estão presentes nessa nova religiosidade. Mas consistiria nisso a verdadeira religião?

OSP – E em que consiste a verdadeira religião?
Antes de tudo, na aceitação de Deus, como Deus, e da nossa condição de “não-Deus”, ou seja, de criaturas. Esse é o primeiro ato de fé, do qual decorrem a adoração e o louvor a Deus; hoje tem-se dificuldades para aceitar a “criaturalidade”, por causa de certa pretensão de onipotência humana. Segue a busca da verdade sobre Deus, que passa pelo “ouvir” a Deus, de muitas formas, ajudados pelas capacidades humanas. Vem, então, o desejo de comunhão e sintonia com Deus, para expressar na vida a dignidade e a beleza dessa relação pessoal com Deus, que no Cristianismo se traduz numa relação familiar, de pai para filho e de filho para pai; ao mesmo tempo, numa relação de fraternidade e respeito para com os demais homens, também filhos de Deus, e no apreço e respeito por toda obra de Deus.

OSP – É comum ouvir dizer que “toda religião é boa” e que todas elas levam para Deus do mesmo modo. Isso é verdadeiro, ou a nova evangelização precisa também fazer uma crítica da religião?
Sim, no sentido de um “exame crítico” das formas de religiosidade e de religião. Mesmo se devemos respeitar profundamente a consciência e as escolhas religiosas de cada pessoa, objetivamente, não se pode dizer que todas as religiões são iguais. É só examinar o que cada uma afirma sobre Deus, o ser humano, as relações do homem com Deus, com o próximo e com o mundo, a moral, as realidades sobrenaturais e eternas e o fim último do homem. As diferenças são muito grandes. Cada pessoa precisa ser estimulada a buscar a verdade, para responder sinceramente ao anseio profundo de verdade e de sentido que há no coração humano, sem se contentar apenas com o que mais agrada, o que é mais fácil e o que tem efeito mais imediato e verificável.

OSP – Portanto, a nova evangelização passa por uma renovada reflexão sobre o homem?
Sim, esta é uma das questões cruciais; falar de Deus é também falar do homem e o Cristianismo não o faz apenas como mera ilustração do pensamento. A fé cristã diz diretamente respeito ao ser humano e, sem levar isso em conta, não se consegue propor ao homem de hoje a novidade do Evangelho. O Papa João Paulo II repetiu em várias ocasiões o que já estava na Gaudium et Spes: “no seu Filho Jesus Cristo, Deus revelou plenamente ao homem a verdade sobre o homem”. A fé cristã é “boa notícia” para o homem!

OSP – Em poucas palavras, em que consiste a nova evangelização?
É difícil definir a nova evangelização, pois ela é um processo, e não um “objeto” já pré-estabelecido. Da parte da Igreja, ela consiste, antes de tudo, em acolher de forma renovada a graça do Evangelho e de se fazer discípula e missionária fiel de Cristo; consiste em expressar isso, de forma alegre e corajosa, nas muitas formas de sua própria vida, ação e representação simbólica; e consiste em compartilhar essa Boa Nova com o mundo, também de muitas maneiras, quer pelo diálogo cultural, inter-religioso e ecumênico, quer pelo testemunho de presença e proximidade para com todo ser humano, especialmente os que sofrem mais; consiste no empenho para edificação do mundo “como Deus quer”, na justiça, solidariedade e respeito. Mas também é anúncio renovado do Evangelho, de forma explícita, convidando à fé em Cristo e à participação na vida eclesial. A Igreja tem muita riqueza espiritual para partilhar com a comunidade humana; mesmo respeitando e apreciando as contribuições vindas de outras fontes, ela mesma precisa dar sua contribuição, a partir de sua experiência, sem medo da contradição, sabendo que tem muito de bom para partilhar.

OSP – Qual está sendo a contribuição da Igreja no Brasil e na América Latina para o Sínodo?
Penso que seja uma contribuição apreciável. O Documento de Aparecida foi citado muitas vezes no Plenário do Sínodo e até mesmo distribuído, numa tradução italiana. A reflexão e a experiência já feitas na América Latina sobre a nova evangelização serão importantes para a Igreja inteira.

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