Ter, 23 de Outubro de 2012
08:06 por: cnbb
Dom Pedro Carlos
Cipolini
Bispo de Amparo (SP)
Bispo de Amparo (SP)
Hoje vivemos uma
fé exposta a todo tipo de intempérie e o ato de crer não é nada evidente, pelo
contrário, é bastante obscuro até mesmo para quem crê. Crer se opõe a
saber, pois o saber da certeza baseada em evidências. Na fé temos menos
segurança porque a fé pertence à ordem da convicção íntima. A fé pertence à
ordem da convicção pessoal, daquilo que não se discute e tão pouco se pode
compartilhar.
Sempre houve no
mundo, certo ateísmo existencial, mas pela primeira vez na história, a partir
do século XIX surgiu um ateísmo sistemático e militante.
A ideologia
contemporânea confia no saber/ciência e se mostra desconfiada com as crenças,
às quais reputa inferior. No entanto o ato de crer faz parte de nossa vida
cotidiana e até mesmo da
investigação científica. Mas a forma mais visível de
crer é o credo religioso.
Hoje a fé das
grandes confissões cristãs ou Igrejas está colocada em segundo plano,
sobressaem a fé das seitas. Por isso, todos nos interrogamos sobre a fé e
o ato de crer. Qual sua identidade ou fundamento? Qual o núcleo da fé? Qual a
origem da fé?
Torna-se
necessária uma “teologia fundamental da fé”, se podemos dizer assim.
Orígem
da nossa fé
A fé religiosa, ou
seja: “a confiança total do homem em um Deus com o qual se
encontrou pessoalmente”, nasceu entre os hebreus, neste pequeno povo se deu um
fato de grandeza sem igual: o nascimento da fé com sua primeira testemunha:
Abraão.
“Ele acreditou no
Senhor e o Senhor o considerou como um homem justo” (Gn 15,6). A originalidade
aqui está em aceitar um tipo de relação com Deus que seja relação pessoal, relação
que começa com a confiança depositada por Abraão na palavra de Deus. Ele
acreditou na promessa que Deus lhe fez, na chamada que tinha
escutado. Deus falou a Abraão (cf. Gn 15,1-21). Ao amanhecer Abraão teve
de “nascer-sair” para o novo e ao entardecer teve se entrar na confiança
absoluta na promessa de Deus. Nessa travessia soemnte Deus é seu escudo (cf. v.
1).
No gesto da Abraão
aparece o cerne da questão fundamental que a fé propõe e que não é a existência
de Deus. “A verdadeira questão da fé inverte os termos: não se trata de crer
que Deus existe, mas em crer que o homem existe para Deus” (B. Sesbouè, Creer,
S. Pablo, Madrid,2000,p. 30). Podemos colocar a questão de outra maneira ou
seja partindo das questões mais sérias que a fé nos propõe: Deus se interessa
pelos homens? Deus pode intervir na história? O fato é que a fé de Abraão e
seus descendentes respondeu SIM a estas perguntas. O povo da Antiga Aliança fez
da fé um modo de viver: “Se não crerdes não podereis subsistir” (Is 7,9). Esta
foi a experiência fundamental que deu origem à fé judaica que resultou na
tradição cristã, a qual compreende a fé como a atitude daquele que apoia em
Deus e nele confia, respondendo a suas expectativas, como quem construiu a casa
sobre a rocha (Mt 7, 24-27).
A fé evoca a
fidelidade de Deus que requer a nossa resposta como fidelidade a Ele. No âmbito
desta fé se enumeram as maravilhas realizadas por Deus em favor de seu Povo: o
passado é garantia do futuro. Esta fé é selada pela Aliança, Aliança que é
iniciativa de Deus à qual o homem corresponde.
Jesus
autor e consumador da fé (Hb 12,2)
No Novo Testamento
o termo fé (250 vezes) e crer (300 vezes) convergem para Jesus Cristo,
realização das promessas e manifestação total de Deus. Jesus da origem à fé
porque é revelador definitivo de Deus (Hb 1, 2-3) e leva a fé a seu cumprimento
porque é o executor do projeto de salvação consumado na cruz. Crer em Jesus é
comprometer-se com Ele e colocar-se à sua disposição, colocando nele sua
confiança.
A carta ao Hebreus
explicita o cumprimento da Antiga Aliança em Jesus Cristo na sequência da fé
vetero-testamentária e afirma: “O justo vive pela fé” (Hb 2,4) e “É impossível
agradas a Deus sem a fé” (Hb 11,6). A fé é “cristã” enquanto aceita Cristo como
mediador e plenitude da Revelação. Na sua ressurreição Jesus derrota a morte e
abre as portas da vida de forma definitiva. Nele a vida vence: é a vitória de
Deus! “A fé tem um conteúdo: Deus se comunica, este eu de Deus se mostra em
Jesus cristo e é interpretado pela confissão de fé, no credo” (cf. Bento
XVI ao Sínodo dos bispos em 09.10.2012).
O que Jesus pede
aos que nele acreditam é o que somente Deus pode pedir. Somente se acreditarmos
que Jesus é Deus, poderemos segui-lo e fazer o que ele mandou. Através de sua
encarnação, de sua humanidade, o que Jesus pede é um ato de fé em Deus que nele
se manifesta. Para acreditar em Jesus, portanto, se deve crer no que ele disse,
e para crer no que ele disse se deve crer em tudo o que ele disse. E crer aqui
não é somente “ter por verdadeiro” o que ele disse, mas “colocar nele a
confiança”. A fé cristã tem seu conteúdo concentrado na pessoa de Jesus o qual
viveu, morreu e ressuscitou dentre os mortos.
Santo Agostinho
colocará três degraus para a fé cristã; a) Crer que Deus existe; b) Crer na
palavra de Deus c) Entregar-se a Ele e confiar a ele o sentido de nossa vida,
fazendo dele nossa rocha firme, fazendo nosso destino dirigir-se na direção de
corresponder à aliança que ele nos oferece. No cerne da pregação de Jesus está
o Reino de Deus o qual podemos exprimir como união em nós da fé, esperança e
amor. A fé age pela caridade, são as duas colunas da evangelização. A fé
exprime-se no amor, tornando-se amor-serviço que brota da cruz e se manifesta
na força da ressurreição. A fé é a alma da caridade. A fé, portanto, vivida
assim, salva. “A fé produz a união com Deus, pela fé é iniciada em nós a vida
eterna” (Santo Tomás de Aquino in Exposição sobre o Credo, Introdução).
A fé não termina
na pregação da igreja nem na palavra dos Apóstolos, mas no próprio Deus que se
revelou em Cristo.
O
diálogo da fé
Quando o fiel
cristão diz: Creio em Deus, expressa a resposta de fé a uma tríplice iniciativa
de Deus em seu favor. A iniciativa do Pai criador que está na origem de tudo,
do Filho que veio em nossa carne para nos redimir com o evento pascal, e o
Espírito Santo que deu à sua Igreja. No Rito do Batismo desde o início da
Igreja, temos então o diálogo em forma de três perguntas e três respostas. Este
diálogo mostra que Deus tem a primeira palavra, é dele a iniciativa de salvar
criando e criar salvando.
O batismo no
início era realizado “em nome de Jesus” (At 8,16), mas esta fórmula equivale à
formula trinitária que acabou prevalecendo no Símbolo ou Credo batismal ( cf.
H. Denzinger, Enchiridion Symbolorum, 1ª parte). Em Jesus Deus se
manifesta totalmente, nele a Revelação atinge seu cume. A Revelação histórica
de Jesus Cristo é o conteúdo formal da fé, o mistério Pascal é o ponto de
partida da fé, esta é a primeira profissão de fé da Igreja (1Cor 15, 3-5; 15, 2.14).
Jesus revela a Trindade!
Por isso nosso
credo é trinitário. O Credo rezado na liturgia Eucarística como o temos
hoje, somente aparece entre os séculos IV e V e foi introduzido
definitivamente na Igreja de Roma no século X como símbolo batismal, em substituição
ao credo niceno-constantinopolitano. Manteve-se intacto até hoje devido a seu
caráter narrativo, e à convicção inicial de que teria sido composto pelos
apóstolos. A fé cristã está determinada por um conteúdo, sendo por ele
determinada também. No credo temos o conteúdo da fé.
Conclusão
É preciso
considerar a eclesialidade da fé. A fé não é somente a aceitação de um
testemunho exterior de Deus, mas uma entrega a Deus mesmo em pessoa. Tem um
aspecto cognoscitivo e outro “fiducial”: de confiança total em Deus. Esta fé
enquanto fundamento da comunidade eclesial não é patrimônio do indivíduo, mas
pertence a toda a Igreja como um depósito a ela confiado. A Igreja é uma
testemunha divinamente instituída e uma coletividade que crê. A Revelação
cristã é transmitida de maneira confiável na Igreja e mediante a Igreja (cf. in
A. Dulles, Il fondamento delle cose sperate – Teologia della fede Cristiana,
Queriniana, brescia, 1997). A fé cristã é contrária a todo individualismo, ela
é comunitária, eclesial, porque é trinitária. No futuro a fé só será
possível em grupo \9comunidade) e de um modo consciente e responsável.
É preciso
considerar a fé e a graça. Fé é a forma de conhecimento pessoal mediante a
qual, sob o impulso da graça, acolhe-se a Revelação de Deus em Jesus Cristo. “A
fé cristã é concebida primariamente à luz da graça. Ninguém pode acolher a
palavra de Jesus como Palavra de Deus se o Espírito não age nele, mostrando que
aquela palavra é autenticamente Palavra do Pai” (R. Fisichela, in Dicionário Teológico
Enciclopédico , Loyola, S. Paulo, 2003, p 291). A graça está intimamente
relacionada ao ato de crer realizado pelo que crê porque a fé é dom de Deus.
Não se pode dissociar a fé da oração. A fé orante indica a primazia da ação de
Deus com a qual nós colaboramos.
É preciso dar
testemunho da fé. “Faz-se necessária a personalização da fé, é necessário que
cada cristão cumpra o caminho para integrar a fé na própria individualidade com
escolhas decisivas e corajosas”... Cada decidido ato de fé de nossa parte, vale
por cem atos de incredulidade ou de medo que ocorrem ao nosso redor. Quando
pensamos assim , somos muito mais capazes de viver em um mundo secularizado ou
incrédulo, e de realmente influenciá-lo. Idem p. 55. (Card. Carlo M.
Martini, in Onde está teu Deus, Loyola, 1994, p. 55). A palavra “professio” tem
sentido de apresentar uma realidade para que ela seja vista; já a palavra
“confessio” evoca o fato de dar testemunho disnte de um tribuna, tem ligação
com o martírio(sofrer pela fé).
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