Seg, 29 de Outubro de 2012 13:47 por: cnbb
Imagem:Internet
Dom Murilo Krieger
Arcebispo de Bahia e Primaz do Brasil
Arcebispo de Bahia e Primaz do Brasil
Conta-se que um jovem procurou, um dia,
um eremita, isto é, uma dessas pessoas que vivem retiradas do mundo, isoladas,
em meio a sacrifícios, orações e jejuns. Os eremitas não fogem do mundo para
procurar Deus, mas levam o mundo em seus corações para, na oração, interceder
por seus irmãos e irmãs que lutam, sofrem e procuram a vontade do Senhor. O
jovem falou-lhe de sua decepção com a paróquia de sua cidade. Afinal, sonhara
tanto com uma comunidade ideal, sem defeitos e sem
problemas, e lá encontrara
somente pessoas com imperfeições.
O experiente eremita levou-o, então, a
um lugar não muito distante, onde havia uma capela, e perguntou-lhe: “O que
você está vendo?” A resposta foi imediata: “Vejo uma velha capela de madeira,
com algumas tábuas um tanto apodrecidas e a pintura toda desbotada!” “É
verdade”, respondeu-lhe o eremita. “A capela é isso mesmo que você está
falando. Veja, porém: nela habita Deus! O mesmo acontece com sua paróquia. Ela
não é tão pura e perfeita como você deseja, porque é formada por seres humanos.
Você também é um ser humano e, por isso, continuamente faz experiência das próprias
limitações e pecados. Por sinal, mesmo que você encontrasse, um dia, uma
paróquia perfeita, ela deixaria de ser perfeita tão logo você nela entrasse!”
Meu artigo poderia terminar por aqui,
porque meus leitores já perceberam aonde quero chegar. Mas vou adiante,
lembrando uma observação que a Igreja fez de si mesma, cinco décadas atrás. Os
bispos do mundo inteiro estavam reunidos em Roma, participando do Concílio
Ecumênico Vaticano II (“segundo” porque outro concílio ecumênico havia sido
realizado antes no Vaticano, em 1870). A preocupação que dominava seus
participantes pode ser sintetizada em uma pergunta: “Igreja, o que dizes de ti
mesma?” A belíssima e profunda resposta que surgiu das orações e reflexões dos
bispos pode ser lida no documento mais importante desse Concílio: “Lumen
Gentium” (Luz das nações). Como desejo voltar à história narrada acima, destaco
desse documento a parte que diz: “A Igreja cerca de amor todos os afligidos
pela fraqueza humana, reconhece mesmo nos pobres e sofredores a imagem de seu
Fundador pobre e sofredor. Faz o possível para mitigar-lhes a pobreza e neles
procura servir a Cristo. Mas enquanto Cristo, ‘santo, inocente,
imaculado’ (Hb 7,26) não conheceu o pecado (cf. 2Cor 5,21), mas veio para
expiar os pecados do povo (cf. Hb 2,17), a Igreja, reunindo em seu próprio seio
os pecadores, ao mesmo tempo santa e sempre na necessidade de se purificar,
busca sem cessar a penitência e a renovação” (LG 8).
Não tenhamos, pois, ilusões: a
comunidade perfeita existe, sim, mas na eternidade. Enquanto formos peregrinos
nesta terra dos homens, viveremos em função de um desafio, de uma certeza e de
uma utopia.
O desafio: deve orientar-nos a ordem
dada por Cristo – isto é: “Sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é
perfeito!” (Mt 5,48). Há muito que fazer, pois, para atingirmos a perfeição! A
certeza: “Não vos deixarei órfãos!” (Jo 14,18). Se nossa luta em busca da
santidade exige muito de nós, alegra-nos a certeza de que não estamos sozinhos
nesse esforço. Jesus está muito mais interessado em nossa vitória (e em nossa
santidade) do que nós mesmos. E ele vai nos ajudar! A utopia: “Vi, então,
um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra
desapareceram e o mar já não existia. Eu vi descer do céu, de junto de Deus, a
Cidade Santa, a nova Jerusalém, como uma esposa ornada para o esposo. Ao mesmo
tempo, ouvi do trono uma grande voz que dizia: ‘Eis aqui o tabernáculo de Deus
com os homens. Habitará com eles e serão o seu povo, e Deus mesmo estará com
eles. Ele enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto,
nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição’ ”(Ap 21,1-4).
Trabalhemos, portanto, para que nosso mundo (nossa paróquia, nossa família,
nosso coração etc.) melhore; mas não nos iludamos: a perfeição só encontraremos
quando Cristo for tudo em todos (cf. Cl 3,12).
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