Sex, 22 de Fevereiro de 2013 09:38 por: cnbb
Dom Redovino Rizzardo
Bispo de Dourados (MS)
Bispo de Dourados (MS)
«Os Salmos podiam
afirmar que Javé “chovia” ou “trovejava”, que era ele que causava a guerra e
mandava a peste. O Novo Testamento podia supor que determinada enfermidade era
causada pelo demônio. Hoje, porém, isso não é mais possível. Mesmo que o
quiséssemos, não podemos ignorar que a chuva e o trovão têm causas atmosféricas
bem definidas; que a doença obedece a vírus, bactérias ou disfunções orgânicas;
e que as guerras nascem do egoísmo humano. Ao falarmos de fenômenos acontecidos
no mundo, impôs-se a evidência de que a “hipótese Deus” é supérflua como
explicação. Mais ainda, é ilegítima e, obstinar-se nela, acaba fatalmente
prejudicando a credibilidade da fé»
É com estas e outras considerações que
Andrés Torres Queiruga procura explicar a ação de Deus no mundo em dois de seus
livros: “Um Deus para hoje” e “Repensar o mal”. Dada a importância do assunto, permito-me aprofundá-lo em quatro
artigos, deixando-me conduzir, nos três primeiros, pelo teólogo espanhol e, no
último, por Bento XVI, que ratificará – ou retificará – o pensamento do Pe.
Andrés.
Queiruga começa com um questionamento:
«O problema mais sutil – e, por isso mesmo, a tarefa
mais difícil – aparece pelas posições de meio-termo, em que ou se aceitam os
princípios, mas não se tiram as consequências, ou se admitem alguns elementos,
mas se resiste a aceitar outros que, no entanto, são solidários. Assim, não se
pensa mais que Deus “chova”, mas, em alguns lugares ou ocasiões, se fazem
preces para pedir chuva; não se crê mais que Deus mande a guerra, mas se
celebram missas por suas campanhas; reconhecem-se os gêneros literários na
Bíblia, mas continua-se tomando à letra o sacrifício de Isaac. A intenção pode
ser boa, mas os danos acabam sendo muito graves».
A raiz do problema foi sintetizada no
que se costuma denominar “O dilema de Epicuro”. Nele, o filósofo grego nega a
existência de Deus a partir da presença do mal na história humana: «Ou Deus quer tirar o mal do mundo, mas não pode; ou pode, mas não quer;
ou não pode nem quer; ou pode e quer. Se quer e não pode, é impotente; se pode
e não quer, é mau; se nem quer nem pode, é fraco e perverso; se pode e quer,
então, por que não o elimina?».
Queiruga comenta o dilema com estas
palavras: «Em vista dos grandes males que afligem
o mundo, um Deus que, podendo, não os elimina, acaba por força aparecendo como
ser mesquinho e insensível, indiferente e, até mesmo, cruel. Porque, quem, se
pudesse, não eliminaria – sem pergunta prévia de qualquer tipo – a fome, as
pestes e os genocídios que assolam o mundo? Seremos nós melhores que Deus? Como
disse Jürgen Moltmann, diante da recordação de Verdun, Stalingrado, Auschwitz
ou Hiroxima, um Deus que permite tão escandalosos crimes, fazendo-se cúmplice
dos homens, dificilmente se pode chamar Deus».
Para Santo Tomás de Aquino, porém, o
que o argumento de Epicuro prova é... a existência de Deus: «Se existe o mal,
existe Deus. O mal não existiria se não existisse o bem, do qual é privação. E
o bem não existiria se Deus não existisse». Outro teólogo para quem o
sofrimento não impede a crença em Deus é o mártir evangélico Dietrich
Bonhoeffer, morto num campo de concentração nazista em 1945. Para ele, a vida
brota do amor – o qual, por se identificar com a busca do bem, exige uma
constante conversão.
Contudo, de acordo com o Pe. Andrés,
tais conceitos precisam ser bem entendidos: «Bonhoeffer encontrou a melhor resposta para o nosso tempo: “Só o Deus
sofredor pode salvar-nos”. Mas essa afirmação só é válida se se situa dentro do
paradigma de um Deus não intervencionista e delicadamente respeitoso da
autonomia do mundo. Enquanto se mantiver, de modo acrítico e talvez
inconsciente, o velho pressuposto de uma onipotência abstrata e definitivamente
arbitrária, no sentido de que Deus poderia, se quisesse, eliminar os males do
mundo, converte-se a resposta em pura retórica, que a longo prazo mina pela
raiz a possibilidade de crer. De nada serve a própria proclamação de que Deus
sofre com nossos males, se antes pôde tê-los evitado, pois, nesse caso,
chegariam tarde demais sua compaixão e sua dor. Pode até provocar o riso, como
se diz do espanhol rico e piedoso que construiu um hospital para os pobres...
depois de tê-los empobrecido!».
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