Ter, 26 de Fevereiro de 2013 09:50 / Atualizado -
Ter, 26 de Fevereiro de 2013 09:57 por: cnbb
Em entrevista concedida ao jornal
"Folha de Sâo Paulo", o cardeal dom Raymundo Damasceno trata de
várias questões relacionadas ao momento presente vivido pela Igreja, elogia o
Papa Bento XVI e fala da expectativa da eleição do novo Papa.
Folha – O que significa
“sinais dos tempos” para o senhor?
Dom Raymundo
Damasceno Assis – Significa mudanças profundas que
todos nós experimentamos. Estamos falando hoje de uma mudança de época, e não
de uma época de mudanças. Não são mudanças superficiais, mas que atingem a
pessoa, os seus valores, o seu modo de viver, o seu estilo de vida, a sua
maneira de julgar as coisas e de se relacionar com Deus, com o próximo, com a
natureza.
O avanço das comunicações está afetando
as pessoas no comportamento, nos valores, nas relações. Basta pensarmos hoje no
celular, na internet, em todos esses meios modernos de comunicação, blog,
YouTube etc.
Há a crise pela qual a família passa, o
modelo de família hoje. São muitas as mudanças que estamos enfrentando, e a
igreja tem de estar atenta a isso. São sinais dos tempos que nos falam também e
que, portanto, o papa e nós, os bispos, temos de estar atentos para responder
pastoralmente.
São muitos os desafios, não podemos
desconhecer que a igreja também vive neste mundo, numa realidade histórica, não
é só humana e divina. E a missão da igreja é responder a esses desafios com o
anúncio do Evangelho. Sem perder a fidelidade do Evangelho, mas tem de
atualizá-lo. Como fazer? Com que linguagem? De que maneira? Esses são os
grandes desafios que nós temos pela frente.
Qual legado o papa
Bento 16 deixará para a igreja?
Ele nos deixa um legado muito rico
quanto ao magistério. Grande teólogo, grande pensador, mesmo antes de ser papa,
como sacerdote, como professor em uma das principais universidades da Alemanha.
Depois, como cardeal em Munique e prefeito da Congregação para a Doutrina da
Fé, ele publicou muitos textos, muitos livros.
Como papa, infelizmente não deixou as
três encíclicas que esperávamos. Deixou uma sobre a caridade, sobre a
esperança, mas faltou a encíclica sobre a fé. As homilias, as audiências gerais
às quartas-feiras são riquíssimas.
Muitos comparavam o papa Bento 16 aos
grandes padres do início da igreja, tamanha a riqueza teológica. Será apreciado
ainda mais com o passar do tempo.
O papa Bento 16 é
chamado de conservador, mas inovou ao renunciar pela primeira vez em mais de
600 anos. O ato abriu uma discussão sobre os rumos da igreja, como a fala
recente de um cardeal escocês a favor do fim do celibato?
Primeiramente, você vê que esse termo
conservador/progressista é relativo. Muitas vezes, chama-se um papa de
conservador e ele faz inovações extraordinárias.
João 23 (1958-63) era considerado
conservador. Ele começou a usar aquela toca que nenhum papa mais usava e
estabeleceu o latim para a igreja, para Roma, num sínodo em que ele realizou.
E, no entanto, foi ele quem convocou o
Concílio Vaticano 2º, que maior repercussão teve na vida da igreja.
O papa Bento 16 realmente inovou nesse
sentido. Ninguém esperava essa renúncia. Sabíamos que o papa estava fragilizado
fisicamente, faltava força, vigor, como ele disse, do ponto de vista físico e
também de espírito.
Isso todo mundo sentia e via pela
televisão, mas não se esperava que viria a renunciar. Foi um gesto de
humildade, porque reconheceu as suas limitações e não ficou apegado ao poder.
Quantos ficam apegados ao poder mesmo estando doente, que não largam de jeito
nenhum, que se acham insubstituíveis?
Foi também um gesto de coragem, porque
ele tem consciência da repercussão que teria o seu ato. Estamos vendo pelos
meios de comunicação o impacto que a renúncia teve em toda a igreja.
E é um sinal profético. Se nós estamos
preocupados com poder, com carreirismo na igreja, como ele fez aceno em algumas
homilias, que é um dos pecados da igreja, essa busca do poder que cria divisão
na igreja, então ele diz: “Eu renuncio, o cargo não é fundamental pra mim, eu
cumpri a minha missão até quando eu podia cumprir. O apego ao poder, as honras,
a glória do cargo, entrego a quem conduzir melhor a igreja no momento de hoje”.
Com a consciência tranquila de quem
cumpriu seu dever diante de nós. É um exemplo pra todos. Aqui em Aparecida, o
papa nos deu um exemplo de humildade, de simplicidade, até um pouco tímido.
O sr. mencionou o
carreirismo. Esse é o grande motivo da divisão interna?
O papa Bento 16 fez uma alusão a isso.
Muitas vezes a pessoa está usando o seu cargo não para servir. [Mas] muitas
vezes, quem sabe, em busca de benesses, até para se promover mais ainda.
Ele não citou nomes, mas deu a entender
que a comunhão é fundamental na igreja, que é fundamental entender na igreja
que todo cargo é serviço, serviço à igreja, à comunidade, à sociedade.
Cargo na igreja não é honra, não é
poder no sentido como entendemos, de opressão às outras pessoas, ou de ser
favorecido pelo cargo. Nesse sentido, a sua renúncia é um gesto profético.
Em 2007, o sr. disse
que havia chegado a hora de a América Latina evangelizar a Europa. Essa
percepção deveria ser levada em conta na escolha do papa?
Eu digo sempre que o continente não é
decisivo, mas a América Latina está contribuindo hoje para a evangelização da
Europa, da África, da Ásia. É um fato, é verdade.
Quantos brasileiros hoje, padres,
membros de novas comunidades e leigos consagrados estão na Europa no campo da
evangelização, da comunicação?
Então a América Latina está
contribuindo para a Europa, embora não tanto quanto nós gostaríamos.
Mas isso não quer dizer que seja o
critério decisivo para a escolha do papa.
Então quais são esses
critérios?
Um perfil que atenda às necessidades de
hoje da igreja. Isso se faz num processo de discernimento, num clima de oração
e reflexão, de partilha de experiências durante o conclave, talvez até antes do
conclave, nos contatos entre os cardeais.
É muito difícil antecipar isso, mas, de
um modo geral, é uma pessoa de experiência pastoral, de diálogo, que promova o
diálogo no mundo de hoje entre os povos, entre as religiões, cristãs e não
cristãs, uma pessoa sensível aos problemas sociais. E preparado também do ponto
de vista teológico, filosófico, intelectual. É um conjunto de elementos.
Como presidente da
CNBB, o que o senhor quer falar ao novo papa?
Os nossos anseios são de uma igreja
missionária, dinâmica, uma igreja capaz de renovar-se para cumprir sua missão,
que quer justamente estar no estado permanente de missão. Essa missão não é só
dos bispos, mas de todo cristão e de todo batizado.
Uma igreja solidária com os pobres
sobretudo, que esteja a serviço do mundo, e não o mundo a serviço da igreja.
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