Sex, 01 de Fevereiro de 2013 10:27 por: cnbb
Dom Redovino Rizzardo
Bispo de Dourados (MS)
Bispo de Dourados (MS)
Para Nietsche, do começo ao fim, a Bíblia
não passa de uma coletânea de promessas não cumpridas. Eis um exemplo entre
centenas de outros: «Criarei novos céus e nova terra. Dores passadas serão
esquecidas, não voltarão mais à memória. Ao contrário, haverá alegria e
exultação sem fim por tudo o que vou criar. Farei de Jerusalém a cidade da
exultação e um povo cheio de alegria. Ali nunca mais se ouvirá a voz do pranto
e o grito de dor.
Ali não haverá crianças condenadas a poucos dias de vida, nem
anciãos que não completem seus dias. Será considerado jovem quem morrer aos cem
anos; e quem não alcançar cem anos, passará por maldito. Então acontecerá que,
antes que me chamem, lhes responderei; ainda estarão falando e eu os atenderei.
O lobo e o cordeiro pastarão juntos; assim como o boi, o leão também comerá
palha. Não haverá dano nem morte em todo o meu santo monte» (Is. 65,
17-20.24-25).
Para quem olha as coisas
superficialmente, Nietsche tem razão. O que se constata no mundo é o contrário
do que sonhava Isaías e, com ele, dezenas de outros profetas que surgiram na
face da terra prometendo paraísos terrestres. A começar da própria Jerusalém,
dividida entre judeus e palestinos, o que hoje se vê em toda a parte é
ganância, violência, injustiça e opressão. Aliás, já São Pedro previa que esta
seria a reação normal de muita gente: «Nos últimos dias, surgirão pessoas que
zombarão de tudo e se comportarão ao sabor de seus instintos, dizendo: “Não deu
em nada a promessa de sua vinda. Desde que os nossos primeiros pais morreram,
tudo continua como sempre, desde o princípio da criação”» (2Pd 3,4).
Para não nos enganarmos em assunto tão
importante, é preciso ter presente a finalidade por que foi escrita a Bíblia.
Foi o que São Paulo explicou em duas ocasiões. Primeiramente, na Carta aos
Romanos: «Tudo o que foi escrito antes de nós o foi para a nossa instrução,
para que, através da perseverança e da consolação que as Escrituras nos dão,
mantenhamos viva a esperança» (Rm 15,4). A segunda, na Carta a Timóteo: «Toda
Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, corrigir, encaminhar e
educar na justiça, a fim de formar e capacitar o homem de Deus para todo tipo
de boas obras» (2Tm 3,16-17).
Portanto, seu objetivo não é de ser um
manual de história da humanidade – nem mesmo do povo de Israel – e muito menos
um livro de ciências naturais. Todas as vezes que alguém teve essa pretensão,
quem ficou prejudicada foi a própria fé. De acordo com uma sentença atribuída a
Galileu, «o que a Bíblia ensina não é como se formaram o céu e a terra, mas
como da terra se vai para o céu».
Voltando ao texto de Isaías, devemos,
então, admitir que ele também se equivocou ao fazer a sua profecia? A resposta
seria afirmativa se pudéssemos inseri-lo no rol dos “messias” que, ao longo dos
séculos, prometeram trazer o céu à terra. Até santos, como Tomás More – sem
falar do Nazismo de Hitler e do Socialismo de Lenin – pensaram possível essa
“utopia”, esquecendo que – como escreveu K. Popper – «a tentativa de criar o
reino do céu na terra pode facilmente transformar a terra num inferno para todos».
Com isso, não se quer dizer que se deva
ficar de braços cruzados, aceitando todos os males como vontade de Deus. Muito
pelo contrário, por ser amor, o que Deus quer é o bem e a felicidade de seus
filhos. Mas, «o Deus que te criou sem pedir a tua ajuda, nada fará sem a tua
colaboração», ensinava Santo Agostinho. Caminhando e trabalhando juntos, Deus e
o homem, é que se constrói o mundo que ambos desejam. Se um dos dois se omite,
nada acontece. Pior ainda quando o homem tenta construir a história sem Deus. É
então que se verifica o que disse Jesus: «Quem não recolhe comigo, dispersa»
(Mt 12,30).
Por tudo isso, a melhor conclusão é a
que chegou o Concílio Vaticano II, em 1965: «A esperança de uma nova terra,
longe de atenuar, deve antes impulsionar a solicitude pelo aperfeiçoamento
desta terra. Nela cresce o Corpo da nova família humana, que já pode apresentar
algum esboço do mundo futuro. Por isso, ainda que o progresso terreno deva ser
cuidadosamente distinguido do crescimento do Reino de Cristo, contudo é de
grande interesse para o Reino de Deus, na medida em que pode contribuir para
organizar a sociedade humana».
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