sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Fé vivida no mundo



Qua, 20 de Fevereiro de 2013 16:26 / Atualizado - Qua, 20 de Fevereiro de 2013 17:16 por: cnbb

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)

O Papa Bento XVI observou que existe um ateísmo prático “no qual não se negam as verdades da fé ou os ritos religiosos, mas simplesmente se consideram irrelevantes para a existência quotidiana, destacadas da vida, inúteis. Então, com frequência, cremos em Deus de modo superficial, e vivemos «como se Deus não existisse» Mas, no final, este modo de viver resulta ainda mais destrutivo, porque leva à indiferença à fé e à questão de Deus”.

Esta observação leva-nos a perguntar se nosso cristianismo não ficou aprisionado em seu momento religioso, confinado dentro de nossas igrejas, alheio ao mundo, incapaz de se encarnar na cultura e nas estruturas da sociedade. Se a fé em Deus não tem nenhuma incidência na vida concreta das pessoas e da sociedade, Deus se torna uma apenas uma idéia, descartável e inútil. Mas, não. O Deus de Jesus Cristo assumiu a condição humana e se tornou participante de nossa história para nos fazer participantes de sua vida.

Há na Constituição Pastoral “Gaudium et Spes” do Concílio Vaticano II uma afirmação que deve balizar nossa compreensão da fé: “Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro homem, era efetivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime”(GS 22).

A fé, portanto, nos dá um saber verdadeiro sobre Deus e sobre o Homem. Em Cristo encontramos verdadeiramente Deus e encontramos a verdade sobre o ser humano. O encontro com  Jesus Cristo, ilumina todas as dimensões da existência humana de modo que o seguidor de Jesus carrega no coração e na inteligência a chave que lhe permite compreender-se a si mesmo e a descobrir os caminhos de realização de sua humanidade.

Em Cristo não nos é imposto de fora um modelo de humanidade estranho às nossas aspirações mais profundas; pelo contrário, em Cristo nos é revelado nosso mistério, a grandeza, a profundidade e o significado de nossas buscas bem como nos é mostrado o caminho para chegar à posse da verdade sobre nós mesmos e sobre o sentido da história. O encontro com Deus em Cristo nos dá um olhar novo para nos vermos e para vermos nosso próximo, bem como a vida em sociedade. Permite-nos, pois, um acesso à verdade não só sobre a vida eterna, mas também sobre a vida no tempo e nos impele a promover aqui e agora os valores da dignidade humana e da fraternidade universal. A fé funda, pois, uma antropologia - vale dizer uma compreensão do ser humano à luz da revelação - e exige uma teologia moral,ou seja, a indicação de caminhos práticos necessários para a realização do ser humano segundo o desígnio de Deus.

Essa compreensão do ser humano e os consequentes imperativos e indicativos morais, como foi dito acima, não são uma imposição de fora a contrariar as mais profundas aspirações  do ser humano; são, sim, a explicitação do que significa ser pessoa humana e de como viver para que a vida em sociedade seja justa  atendendo o bem de todos.  A fé - encontro com Deus em Cristo - projeta luz sobre todas as dimensões da experiência humana: matrimônio, família, trabalho, sexualidade, educação, esporte, vida em sociedade, cultura, etc...Sobre todas essas realidades incide a experiência da fé,  explicitando a verdade de cada uma e apontando caminhos para a realização plena de seu sentido.

Os cristãos, em razão de sua fé, movidos sempre pelo amor-caridade -  ágape - com alegria e fidelidade devem se empenhar por todos os meios para que os valores da dignidade humana, revelados em Cristo e reconhecíveis pela razão, ganhem corpo na vida da sociedade. Em especial devem conhecer e colocar em prática a Doutrina Social da Igreja, parte preciosa do depósito da fé explicitado através dos tempos para responder aos desafios colocados pelas transformações na história.

Concluo citando João Paulo II: “A doutrina social da Igreja não é uma «terceira via» entre capitalismo liberal e coletivismo marxista, nem sequer uma possível alternativa a outras soluções menos radicalmente contrapostas: ela constitui por si mesma uma categoria. Não é tampouco uma ideologia, mas a formulação acurada dos resultados de uma reflexão atenta sobre as complexas realidades da existência do homem, na sociedade e no contexto internacional, à luz da fé e da tradição eclesial. A sua finalidade principal é interpretar estas realidades, examinando a sua conformidade ou desconformidade com as linhas do ensinamento do Evangelho sobre o homem e sobre a sua vocação terrena e ao mesmo tempo transcendente; visa, pois, orientar o comportamento cristão. Ela pertence, por conseguinte, não ao domínio da ideologia, mas da teologia e especialmente da teologia moral”(SRS, n. 41).

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