Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Arcebispo de Sorocaba (SP)
No último artigo nessa coluna formulei
algumas perguntas que sempre de novo voltam quando se coloca a questão da
fé em Deus. Algumas delas inscrevem-se no quadro das relações entre fé e razão,
entre ciência e fé. Ocupo-me hoje de uma delas: “Não será a idéia de Deus uma
criação da mente humana para preencher as lacunas do conhecimento humano sempre
limitado?”
Há uma forma de ateísmo que se estrutura como conseqüência e como
defesa da ciência.
Recentemente, em entrevista televisiva,
o Biólogo e Psicólogo americano, Michael Schermer, fundador da "Sociedade
dos céticos", ex-mormon, defendeu com ardor de missionário o ateísmo,
tendo como pressuposto que a religião oferece respostas ilusórias para questões
que a ciência deverá resolver. O Concílio Vat. II, na década de sessenta, já se
confrontara com a questão: “Muitos, ultrapassando indevidamente os limites das
ciências positivas, ou pretendem explicar todas as coisas só com os recursos da
ciência , ou, pelo contrário, já não admitem nenhuma verdade absoluta.”(GS 19).
Michael Schermer, como Dawkins – este escreveu “Deus, um delírio”- prega com
fervor que a Ciência, em especial a biologia e a psicologia, deve substituir a
teologia e a filosofia na tarefa de fundar os valores que devem reger a vida da
sociedade.
O pressuposto é que todas as quetões
levantadas pela humana inteligência devem encontrar resposta na pesquisa
científica. A esta forma de pensar subjaz uma posição filosófica de que não
podem existir questões que escapem ao método científico da verificação
empírica. Michael Schermer, ao criar a “Sociedade dos céticos”, transforma seu
ceticismo em ateismo militante, para o “bem da humanidade”.
Há aqui um problema delicado. É verdade
que a religião funcionou com frequência como explicação de fenômenos para os
quais o ser humano não tinha explicação e como consolo e proteção diante das
forças incontroláveis da natureza e dos sofrimentos derivados da própria história
tantas vezes construida sob a égide do desejo de dominação de um povo e
de uma classe sobre os(as) demais.
Sobretudo nas religiões chamadas
primitivas, para cada fenômeno da natureza havia uma divindade a quem se
recorria para obter proteção contra as ameaças das alterações cósmicas.
Entretanto, como nos ensina o historiador das religiões e filósofo Mircea
Eliade, o núcleo essencial de todas as religiões é a consciência de que este
mundo – a existência humana – não se justifica a si mesmo, ou seja, não encontra
sua origem última nem seu destino final , no interior de si mesmo.
A experiência de que não somos nós a
fonte de nosso próprio existir, nem em nossa origem, nem na continuidade de
nossa vida, torna inevitável a pergunta: nossa existência – a existência do
universo - é dom de um outro cuja existência se põe por si mesma ou emerge
inexplicavelmente do nada? A questão não se coloca simplesmente a respeito das
origens remotas do universo, de seu início a bilhões de anos atrás. A
questão se coloca aqui e agora, sobretudo a respeito de meu próprio existir.
Afinal só o ser humano pode levantar tal questão. E ele o faz ao se surpreender
existindo como puro dom.
O filósofo ateu, Jean Paul Sartre,
tematizou essa experiência, e entendeu a existência como “estar-lançado-no-mundo”,
um fato bruto, sem explicação, devendo o ser humano dar um sentido à sua
existência pelas escolhas de sua liberdade. Mas assim como a fonte de sua
existência está mergulhada na noite do nada, também o “para-onde” de suas
escolhas está destinado ao vazio absoluto. A existência só pode ser angústia.
Mircea Eliade coloca como origem da
religião, a consciência de que o universo depende em seu existir
permanentemente de um Poder maior, não submetido à erosão do tempo, e realça a
sede de comunhão com o mistério – o Sagrado – como única possibilidade para o
ser humano de viver com sentido e de poder enfrentar inclusive a morte. É
verdade que o avanço científico substituiu as explicaçòes religiosas para
muitos fenômenos naturais, cósmicos, biológicos, psicológicos e sociais,
contribuindo para a purificar a religião, como nos lembra o Consílio Vat. II:
“um sentido crítico mais apurado purifica-a duma concepção mágica do mundo e de
certas sobrevivências supersticiosas, e exige cada dia mais a adesão a uma fé
pessoal e operante; desta maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de
Deus.”(GS 7). Entretanto, as questões fundamentais, que transcendem as
possibilidades da pesquisa científica, fundam uma ordem de conhecimento na qual
se inscrevem as afirmações das religiões.
O avanço científico com suas
maravilhosas descobertas pode despertar no cientista a admiração
religiosa e o sentimento do sagrado: que grandeza é essa de inteligência e de
amor escondida na beleza do universo? Por que e para que tudo isso? Sem
deixar de ser pesquisador o cientista pode se tornar também um místico.(
continua).
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