Qua, 20 de Fevereiro de 2013 16:48 / Atualizado -
Qua, 20 de Fevereiro de 2013 17:13 por: cnbb
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Marx entendia a vivência religiosa como
expressão de um estado de miséria que a humanidade para si mesma cria ao
organizar a vida da sociedade. Por ser “a religião, na realidade, a consciência
e o sentimento proprios do homem que, ou ainda não se encontrou, ou já acabou
de se perder” é necessário verificar onde o ser humano se perde ou se
desencontra de si mesmo.
A alienação religiosa é o sintoma de
uma alienação real que finca suas raízes na forma como se estruturam as
relações sociais a partir do mundo da produção. Para Marx a relação
homem-natureza, mediada pelo trabalho, é a relação fonte do processo de
humanização do indivíduo humano. É também a relação que preside e determina o
conjunto das relações dentro da sociedade. É aí que deve ser encontrada a razão
por que o ser humano se perde ou não se encontra na plenitde de sua humanidade.
A essência humana é criada no ato pelo
qual se transforma a natureza Como a essência humana se dá pela comunhão
coletiva em que todos comungam igualmente do fruto do trabalho humano, o fato
de alguns serem os donos dos meios de produção, enquanto outros lhes vendem seu
trabalho, gera duas classes fundamentais em oposição, impedindo assim a
concretização da sociedade de iguais em total fraternidade. A propriedade
privada é, pois, uma espeçie de pecado original do qual decorrem todos os males
da sociedade. O trabalhador se perde a si mesmo, aliena-se no próprio ato da
produção uma vez que não retornam a ele, não apenas o valor pecuniário do
artefato produzido, mas também os frutos culturais e humanizantes de seu
trabalho.
Uma sociedade de classes é uma
sociedade onde a essência humana está dividida, O proprietário se fecha em seu
universo egoista e o trabalhador se vê expropriado do fruto de seu trabalho.
Fica impedida a comunhão dos seres humanos na qual os indivíduos poderiam viver
plenamente a experiência de serem homens. De um lado um ser humano explorador,
opressor e, de outro, um ser humano explorado, oprimido, roubado em sua própria
humanidade. Esse estado de infelicidade leva ao sonho com um mundo, fora da
história, onde os homens um dia haveriam de ser felizes pela participação no
“mistério” de três pessoas onde tudo o que é de uma é também das outras
duas.
O Deus Uno e Trino dos cristãos é
adorado por expressar aquilo mesmo que os seres humanos gostariam de realizar
nessa terra. A religião é expressão e protesto contra a miséria real. De um
lado a religião desempenha a função consolo para as frustrações produzidas pela
injustiça,operando uma reconciliação ilusória para o conflito social básico, e,
de outro, funciona como justificativa de formas políticas e sociais, ou seja como
ideologia do “status quo” do capitalismo. À solução “mística” proposta pela
religião Marx propõe a solução política que objetiva a criação de um estado
proletário, mediante um processo revolucionário, com a consequente instauração
de um modo de produção coletivista, onde todos se tornam iguais nas relações de
produção.
A sociedade sem classes, uma vez
implantada, dispensaria a existência do Estado tal como se estruturou no
decorrer da história. Teríamos um tipo de democracia onde sempre de novo as
assembléias do povo decidiriam seu destino e seus caminhos. Para que se pudesse
chegar ao paraiso terrestre, emergiria na classe operária, onde a experiência
de desumanização chegaria a seu extremo, uma consciência revolucionária
acompanhada de uma prática política destinada a tomar o poder e implantar a
nova sociedade, pela abolição da propriedade particular dos meios de produção.
Os partidos comunistas deveriam ser a
expressão dessa consciência e o instrumento de tomada do poder para a
instauração da “democracia perfeita”. Feuerbach havia afirmado: “o mistério – o
conteúdo oculto – da teologia é a antropologia”, ou seja, as afirmações da
teologia são reveladoras dos mais profundos atributos da essência do homem.
Marx procura caminhos de operar a conversão da religião em política, de modo
que vamos encontar no marxismo as verdades da fé cristã reduzidas a dimensões
puramente humanas, privadas de qualquer dimensão de transcendência. Assim: a) a
esperança de um novo céu e de uma nova terra - comunhão de todos no mistério da
Trindade – se torna esperança de uma comunhão plena pela implantação do paraiso
terrestre; b) o pecado original é substituido por outro mal radical:
propriedade particular dos meios de produção; c) a classe oprimida,
crucificada, ocupa o lugar do redentor crucificado, ressuscitando na história
como força revolucionária para implantar a nova sociedade; d) o partido
comunista substitui a Igreja, sendo ele a consciência do sentido da história e
o instrumento através do qual a classe operária tomaria o poder. e) a mística
religiosa se transforma em mística política, que exige a doação da própria
vida. (continua).
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