Sex, 01 de Fevereiro de 2013 07:50 por: cnbb
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte
Arcebispo de Belo Horizonte
A tragédia numa boate de Santa Maria,
que matou e feriu tantos jovens, instiga o coração de todos. De modo especial,
desenha um horizonte que a sociedade contemporânea precisa considerar. A vida
não pode ser vivida e tratada simplesmente como lógica de ganho de coisas. A
vida é mais. Não basta simplesmente conferir, por força legal e dever
profissional, a validade de alvarás de funcionamento. A tragédia aponta para
irresponsabilidades nos procedimentos de profissionais e de proprietários com
aquilo que está posto a serviço de todos.
Na verdade, o funcionamento social
reclama de governantes, de profissionais e de cidadãos comuns um tratamento
mais adequado de tudo e de cada coisa, especialmente daquilo que é público.
Essa é uma questão que deve encontrar raízes na cultura, ancorada por legislações,
normas e procedimentos. Também, e acima de tudo, relaciona-se à formação da
consciência de que é fundamental o respeito irrestrito à vida de cada pessoa.
Sem esse sentido norteador, os atrasos em obras públicas continuarão. E o
manejo do dinheiro público não vai se livrar dos interesses espúrios, da
ganância dos que precisam levar sempre mais vantagem sobre o que é bem de
todos. A consequência será a vida posta em risco.
As mortes nas estradas, por exemplo,
que não são duplicadas ou sofrem com a falta de manutenção, atingem números de
guerra. De fato, um verdadeiro descaso quando a inteligência acomoda-se na
mediocridade e não se consegue sair das burocracias que obstruem os processos.
Quem tem o poder de decisão, de corresponder à demanda em favor da vida de
todos, não enfrenta os desafios diários de transitar em estradas que não
atendem mais, de se deslocar em transportes que usurpam horas do descanso e do
convívio familiar de tantos.
Descasos de cá e de lá, interesses
financeiros gananciosos e a venenosa visão egoísta da vida, segundo o princípio
de que conta é tão somente o bem e o conforto próprios, vão alastrando uma
cultura que valida prestação de serviços de segunda classe, morosidades,
usufrutos indevidos ou indiferença diante dos outros, especialmente dos que
precisam mais. O resultado é desastroso para uma sociedade que tem a
oportunidade de alçar um patamar de maior qualidade de vida para todos, mas que
ainda padece com atrasos. E o prejuízo maior e mais sofrido será sempre dos
mais pobres, dos indefesos e inocentes.
A tragédia de Santa Maria é um clarão
espantoso, que deve brilhar como um relâmpago para inquietar mentes, corações e
consciências, transmitindo o sentido e alcance da responsabilidade cidadã de
cada um. Não basta o alívio de quem não teve um jovem próximo e amado envolvido
nesta tragédia. Não basta pensar que o ocorrido foi longe da própria cidade e
da própria casa. Os riscos em potencial, por irresponsabilidades, morosidades e
interesses gananciosos, alcançam todos, nos mais diversos lugares.
Onipotência para controlar tudo, tudo
prever e evitar, ninguém tem. O que todos precisam ter é a responsabilidade
profissional, governamental e cidadã de construir uma cultura pela vida.
Trata-se de uma postura pessoal contracenando, obviamente, com os
funcionamentos das cidades, bairros, vilas, condomínios, ambientes públicos e
da própria casa. Uma postura pessoal que fará diferença, sempre. A cultura, os
governos, os cidadãos, os profissionais, todos são desafiados a compreender que
o progresso e o desenvolvimento integral não são alcançados quando se
desconsidera o valor da vida.
Dom de Deus, a vida há de ser
respeitada em todas as suas etapas, da fecundação à morte com o declínio
natural. Qualquer relativização abre as portas para permissividades,
irresponsabilidades e descasos. Tarefa fundamental para que cada um reconheça a
vida, de todos, como dom, é cultivar a espiritualidade - pela oração, silêncio,
meditação, diálogo com Deus, vivência comunitária e comprometimento social.
Esse caminho é fonte de saúde, de sensibilidade ética e moral, do gosto pela
promoção e defesa da vida de todos. Sem espiritualidade, atrasaremos processos
e não avançaremos no compromisso pela vida.
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