Qua, 20 de Fevereiro de 2013 16:34 por: cnbb
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Diante das ideologias que negam
ou desfiguram a imagem de Deus importa refletir um pouco sobre quem é o
Deus de Jesus Cristo. Partindo da centralidade de Cristo no contexto da
Conferência do CELAM, Bento XVI levantava a pergunta:“esta prioridade, não poderia
por acaso ser uma fuga no intimismo, no individualismo religioso, um abandono
da realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da
América Latina e do mundo, e uma fuga da realidade para um mundo espiritual?”
E
continua: “como primeiro passo, podemos responder a esta pergunta com outra: O
que é esta ‘realidade’? O que é o real? São ‘realidades’ somente os bens
materiais, os problemas sociais, econômicos e políticos? Aqui está precisamente
o grande erro das tendências predominantes no último século, erro destruidor,
como demonstram os resultados tanto dos sistemas marxistas como também dos
capitalistas.
Falsificam o conceito de realidade com
a deturpação da realidade fundante e por isso decisiva, que é Deus. Quem exclui
Deus do seu horizonte falsifica o conceito de "realidade" e, por
conseguinte, só pode terminar por caminhos equivocados e com receitas
destruidoras. A primeira afirmação fundamental é, pois, a seguinte: somente
quem reconhece Deus, conhece a realidade e pode corresponder-lhe de modo
adequado e realmente humano. A verdade desta tese resulta evidente diante do
fracasso de todos os sistemas que põem Deus entre parênteses.
Contudo, surge imediatamente outra
pergunta: Quem conhece Deus? Como podemos conhecê-lo? Não podemos entrar aqui
num debate complexo sobre esta questão fundamental. Para o cristão, o núcleo da
resposta é simples: somente Deus conhece Deus, somente o seu Filho, que é Deus
de Deus verdadeiro, O conhece. E Ele, ‘que está no seio do Pai, O deu a
conhecer’ (Jo 1, 18). Daqui a importância singular e insubstituível de Cristo
para nós, para a humanidade. Se não conhecemos a Deus em Cristo e com Cristo,
toda a realidade se transforma num enigma indecifrável; não há caminho e, não
havendo caminho, não há vida nem verdade.
Deus é a realidade instituinte, não um
Deus apenas pensado ou hipotético, mas o Deus com um rosto humano; é o
Deus-conosco, o Deus do amor até à cruz. Quando o discípulo chega à compreensão
deste amor de Cristo ‘até ao extremo’ não pode deixar de responder a este amor,
a não ser com um amor semelhante: ‘Seguir-te-ei para onde quer que fores’ ” (Lc
9, 57).
O Deus-Trindade nos criou à sua imagem
e semelhança e revela para nós que unicamente na abertura ao outro seremos de
fato plenamente pessoas. Pela encarnação de seu Filho Deus se mostra tomado de
amor por nós e se faz participante de nossa vida, redentor e construtor
primeiro de nossa história. E nos convida a ser plenamente humanos, acolhendo a
comunicação de seu amor, o Espírito Santo, e amando como Ele amou.
Acolher Jesus Cristo, deixar que Ele se
torne de fato nosso caminho, reconhecê-lo como verdade e vida, nos impele a
romper o círculo fechado de nosso eu para viver o ser-para-os-outros na força
do Espírito Santo. Se essa verdade penetrar toda a nossa vida, seremos, na
força do amor, praticantes da justiça, portadores da paz, construtores de um
mundo fraterno. Imaginemos todos os seres humanos empenhados em viver a
dinâmica do “amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei” na família, no trabalho,
na escola, na política, em todas as dimensões da existência, e vislumbraremos o
paraíso proclamado no Apocalipse de São João (cf. 21,1ss.) e pela segunda carta
de São Pedro: “O que nós esperamos, conforme sua promessa, são novos céus e
nova terra, onde habitará a justiça”(3,13).
Mas, dirá o(a) leitor(a), esta é uma
esperança para o depois e nós queremos um mundo novo agora. Então comecemos
agora, todos, a viver centrados em Deus, no Deus que nos ensina a oferecer a
vida pelos irmãos. O mundo novo possível não se impõe. As leis são necessárias
para indicar o caminho da justiça e para coibir os egoísmos de pessoas e de
grupos. Mas as leis não transformam o coração das pessoas. Gosto de repetir a
afirmação de Bento XVI: “uma sociedade em que Deus está ausente não encontra
consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver segundo esses
valores, mesmo contra os próprios interesses”.
Encontrar a plenitude da verdade sem
Deus não é possível e muito menos decidir-se a viver dela. A revelação cristã, ao
nos colocar em contato com a verdade de Deus – o Verbo feito Carne –, ilumina
nossa vida e abre-nos o caminho para o conhecimento e a vivência dos valores
que devem presidir a vida da sociedade. Entretanto, sem a adesão sincera e o
empenho de todos em viver esses valores, a encarnação do Verbo, Caminho,
Verdade e Vida, não poderá florescer plenamente no coração da história humana.
Donde a urgência sempre atual de testemunhar e proclamar o evangelho de Jesus
Cristo a todas as criaturas.
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