Qua, 20 de Fevereiro de 2013 16:50 / Atualizado -
Qua, 20 de Fevereiro de 2013 17:13 por: cnbb
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Hoje começamos a abordar um tipo de
ateismo que começou na filosofia e acabou por se transformar em regime politico
e, hoje, exerce ainda forte influência na cultura. O Concílio Vat. II a ele se
refere quando afirma: “Não se deve passar em silêncio, entre as formas atuais
de ateísmo, aquela que espera a libertação do homem sobretudo da sua libertação
econômica.
A esta, dizem, opõe-se por sua natureza a religião, na medida em
que, dando ao homem a esperança duma enganosa vida futura, o afasta da
construção da cidade terrena. Por isso, os que professam esta doutrina, quando
alcançam o poder, atacam violentamente a religião, difundindo o ateísmo também
por aqueles meios de pressão de que dispõe o poder público, sobretudo na
educação da juventude.” (Vat. II, GS n.20).
Faço uma breve explanação sobre essa
forma de ateismo que influenciou fortemente nossa juventude universitária e
muitos intelectuais no séc. passado, levando-os a trocar a esperança cristã por
uma esperança destituida de qualquer dimensão de transcendência. Um dos
precursores desse ateismo militante foi um filósofo alemão: Ludwig Feuerbach.
Para esse pensador Deus não é outra coisa que a essência do ser humano pensada
como um outro.
Ao pensar e cultuar Deus, o indivíduo
humano se aliena, ou seja, projeta-se para fora e adora em um outro a própria
essência. Donde as afirmações de Feuerbach: “A consciência do infinito revela o
infinito da própria consciência”. “Consciência de Deus é autoconsciência,
conhecimento de Deus é autoconhecimento” “Deus é a mais alta subjetividade do
homem, abstraida de si mesmo.” “Este é o mistério – segredo - da religião: o
homem projeta seu ser na objetividade e então se transforma a si mesmo num
objeto face a esta imagem de si, então convertida em sujeito”. O leitor pode
advinhar que, segundo essa forma de pensar, quando o homem tomar posse de si
mesmo, recuperar sua essência perdida no ato religioso, então descobrirá que
aquilo que ele chamava “Deus” é ele mesmo em sua subjetividade mais profunda.
O homem religioso vive na miséria
porque projeta em um outro a infinita riqueza de sua humanidade e a este outro
entrega a direção de sua vida. Sua vida fica à mercê dos fenômenos da natureza
ou do processo histórico pensados como ação de uma providência divina. Eis o
homem alienado, submisso, despossuido de si mesmo, em estado de miséria.
Entretanto, sonha. Deus com o céu é o seu sonho.
Marx assume a análise da religião de
Feuerbach, mas se pergunta: por que o ser humano se aliena na religião? E
responde com uma afirmação que abre caminhos para uma análise que pretende
desocultar os mecnismos históricos que levam o ser humano a necessitar da
religião como sonho e como busca de uma realidade perdida nas condições
materiais de sua existência: “A miséria religiosa é, por um lado, a expressão
da miséria real e, por outro, o protesto contra essa miséria. A religião é o
gemido da criatura oprimida pelo mal, é a alma de um mundo sem coração, e é o
espírito de uma época sem espírito. É ópio para o povo”.
Marx chama a religião de miséria, ou
seja, o homem religioso ao adorar Deus se perde: “A religião é, na realidade, a
consciência e o sentimento proprios do homem que, ou ainda não se encontrou, ou
já acabou de se perder”. Por isso na religião o homem se encontra em estado de
miséria, vítima de um mundo sem coração e de uma época sem espírito. O que tem
de melhor é tomado por um outro diante do qual ele se sente miserável. Pois bem
esta miséria – a religião – tem duplo significado: ela é expressão da miséria
real e, ao mesmo tempo, protesto contra essa miséria. É protesto porque mostra
que o ser humano, ao projetar em sonho um lugar de felicidade, explicita sua
profunda discordância em relação às condições históricas que o fazem infeliz.
Mas é consolo, como quando um prisioneiro, condenado à prisão perpétua, vive em
sua imaginação sonhos de liberdade.
Esta afirmação de Marx é um convite a
estudar a miséria real, que, compreendida e abolida, limpará a cultura do lixo
religioso. Assim descreve ele sua tarefa: “Desde que a verdade da vida futura
se desvaneceu, a história tem a missão de estabelecer a verdade da vida
presente. E a primeira tarefa da filosofia, que está a serviço da história,
depois de desafivelada a máscara da imagem santa, que representava a renúncia
do homem a si mesmo, consiste em desmascarar esta renúncia, ainda latente sob
suas formas profanas.
A crítica do céu transforma-se assim em
crítica da terra; a crítica da religião em crítica do direito; e a crítica da
teologia em crítica da política”. “A crítica da religião leva à doutrina de que
o homem é para o homem o ser supremo”. Não basta perceber que a religião é
alienação. É preciso descobrir as raízes ocultas da religião no mundo real, ou
seja, é preciso, clarear os mecanismos da injustiça que no mundo do
direito, da política e da organização da sociedade, sobretudo na economia,
fazem o ser humano infeliz e necessitado de religião. Mas isto é assunto para
outra vez
FONTE: CNBB
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