sábado, 23 de fevereiro de 2013

O marxismo na teologia


Qua, 20 de Fevereiro de 2013 16:42 por: cnbb

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)

No séc. passado, até a queda do muro de Berlim e o colapso do socialismo real, o pensamento marxista de tal forma parecia a verdadeira interpretação da história que muitos pensadores cristãos, excluindo o ateísmo explícito do marxismo, julgaram dever adotar seu método de análise da sociedade com sua consequente práxis, como instrumento indispensável para a eficácia da participação dos cristãos no processo sócio-político para a transformação das estruturas de injustiça.


Na Europa pensadores cristãos dialogavam com pensadores marxistas e, por sua vez, pensadores marxistas reviam a posição radical do marxismo ortodoxo em relação à religião. Essa revisão não significava, entretanto, a aceitação das verdades da fé, mas o reconhecimento de que, no decorrer da história, a fé cristã, não obstante os comprometimentos do ocidente cristão com formas injustas de estruturação da sociedade, foi também - nós diríamos foi sempre, na medida de sua autenticidade, - uma força libertadora para os pobres e oprimidos.
Na América latina teólogos católicos se sentiram no dever de pensar a fé em função da transformação da sociedade, “à luz da opção preferencial pelos pobres”. Alguns assumiram o método de análise marxista que privilegia o conflito - a luta de classes - como ponto de partida de compreensão do processo histórico. Como o marxismo quis ser antes de tudo um pensamento voltado para a prática política de tipo revolucionário, as “verdades da fé” passaram a ser compreendidas em função da transformação social como motivadoras do respectivo compromisso político. Tendo na “luta de classes” a chave de leitura do processo histórico, inevitável a divisão da sociedade em dois grupos: o dos pobres –“empobrecidos”- oprimidos e o dos ricos, opressores, os beneficiários da mais-valia.
Ao diálogo é contraposta a dialética da luta de classes. Essa forma de pensar a dinâmica social, universalizada, aplicada às relações intra-eclesiais, postulava uma reformulação do modo de ser Igreja, onde se tornava difícil a aceitação de uma Hierarquia – esta palavra mesma se tornou suspeita – dotada pelo Espírito do carisma da verdade e do governo na Igreja. Uma eclesiologia da igualdade, embora com alguma base na Lumen Gentium, exacerbou conflitos dentro da Igreja com forte repercussão nas instituições eclesiásticas de ensino e de formação. Mesmo as verdades reveladas sobre Jesus Cristo, sobre a Igreja e sobre o Homem começaram a ser entendidas em função da transformação social, correndo o risco de perder sua identidade irredutível, sua dimensão de transcendência.
Nesse sentido o discurso de João Paulo II na abertura da Conferência de Puebla foi decisivo para manter a teologia do documento fiel à Tradição e, ao mesmo tempo, atenta às exigências do momento histórico vivido pela Igreja na América Latina. O documento de Puebla, ao tratar de “Evangelização, Ideologias e Política”, analisando os vários tipos de ideologias, manifestou sua reserva à teologia que avançava nesta direção: “Recordamos com o Magistério pontifício que ‘seria ilusório e perigoso chegar a esquecer o nexo íntimo que os une radicalmente; aceitar os elementos da análise marxista sem reconhecer suas relações com a ideologia, entrar na prática da luta de classes e de sua interpretação marxista, deixando de perceber o tipo de sociedade totalitária e violenta a que conduz tal processo (0A 34)’.
Cumpre salientar aqui o risco de ideologização a que se expõe a reflexão teológica, quando se realiza partindo de uma práxis que recorre à análise marxista. Suas conseqüências são a total politização da existência cristã, a dissolução da linguagem da fé no das ciências sociais e o esvaziamento da dimensão transcendental da salvação cristã. Ambas as ideologias assinaladas - liberalismo capitalista e marxismo - se inspiram em humanismos fechados a qualquer perspectiva transcendente. Uma, devido a seu ateísmo prático; a outra, por causa da profissão sistemática de um ateísmo militante” (DP Cap.2: 5,5).
Em parágrafos anteriores, o mesmo documento fazia a seguinte advertência: “São correntes de aspirações com tendência para a absolutização, dotadas também de poderosa força de conquista e fervor redentor. ( o grifo é nosso) Isso lhes confere uma "mística" especial e a capacidade de penetrar os diversos ambientes de modo muitas vezes irresistível. Seus slogans, suas expressões típicas, seus critérios, chegam a marcar profundamente e com facilidade mesmo aqueles que estão longe de aderir voluntariamente a seus princípios doutrinais.
Desse modo, muitos vivem e militam praticamente dentro dos limites de determinadas ideologias sem haverem tomado consciência disso”. O risco de uma ideologização da fé foi exaustivamente exposto pela Congregação para a Doutrina da Fé na Instrução “Libertatis Nuntius” (6 de agosto de 1984), assinada pelo seu Prefeito, hoje o Papa Bento XVI.  (continua).

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