Qua, 20 de Fevereiro de 2013 16:42 por: cnbb
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Arcebispo de Sorocaba (SP)
No séc. passado, até a queda do muro de
Berlim e o colapso do socialismo real, o pensamento marxista de tal forma
parecia a verdadeira interpretação da história que muitos pensadores cristãos,
excluindo o ateísmo explícito do marxismo, julgaram dever adotar seu método de
análise da sociedade com sua consequente práxis, como instrumento indispensável
para a eficácia da participação dos cristãos no processo sócio-político para a
transformação das estruturas de injustiça.
Na Europa pensadores cristãos dialogavam
com pensadores marxistas e, por sua vez, pensadores marxistas reviam a posição
radical do marxismo ortodoxo em relação à religião. Essa revisão não
significava, entretanto, a aceitação das verdades da fé, mas o reconhecimento
de que, no decorrer da história, a fé cristã, não obstante os comprometimentos
do ocidente cristão com formas injustas de estruturação da sociedade, foi
também - nós diríamos foi sempre, na medida de sua autenticidade, - uma força
libertadora para os pobres e oprimidos.
Na América latina teólogos católicos se
sentiram no dever de pensar a fé em função da transformação da sociedade, “à
luz da opção preferencial pelos pobres”. Alguns assumiram o método de análise
marxista que privilegia o conflito - a luta de classes - como ponto de partida
de compreensão do processo histórico. Como o marxismo quis ser antes de tudo um
pensamento voltado para a prática política de tipo revolucionário, as “verdades
da fé” passaram a ser compreendidas em função da transformação social como
motivadoras do respectivo compromisso político. Tendo na “luta de classes” a
chave de leitura do processo histórico, inevitável a divisão da sociedade em
dois grupos: o dos pobres –“empobrecidos”- oprimidos e o dos ricos, opressores,
os beneficiários da mais-valia.
Ao diálogo é contraposta a dialética da
luta de classes. Essa forma de pensar a dinâmica social, universalizada,
aplicada às relações intra-eclesiais, postulava uma reformulação do modo de ser
Igreja, onde se tornava difícil a aceitação de uma Hierarquia – esta palavra
mesma se tornou suspeita – dotada pelo Espírito do carisma da verdade e do
governo na Igreja. Uma eclesiologia da igualdade, embora com alguma base na
Lumen Gentium, exacerbou conflitos dentro da Igreja com forte repercussão nas
instituições eclesiásticas de ensino e de formação. Mesmo as verdades reveladas
sobre Jesus Cristo, sobre a Igreja e sobre o Homem começaram a ser entendidas
em função da transformação social, correndo o risco de perder sua identidade
irredutível, sua dimensão de transcendência.
Nesse sentido o discurso de João Paulo
II na abertura da Conferência de Puebla foi decisivo para manter a teologia do
documento fiel à Tradição e, ao mesmo tempo, atenta às exigências do momento
histórico vivido pela Igreja na América Latina. O documento de Puebla, ao
tratar de “Evangelização, Ideologias e Política”, analisando os vários tipos de
ideologias, manifestou sua reserva à teologia que avançava nesta direção:
“Recordamos com o Magistério pontifício que ‘seria ilusório e perigoso chegar a
esquecer o nexo íntimo que os une radicalmente; aceitar os elementos da análise
marxista sem reconhecer suas relações com a ideologia, entrar na prática da
luta de classes e de sua interpretação marxista, deixando de perceber o tipo de
sociedade totalitária e violenta a que conduz tal processo (0A 34)’.
Cumpre salientar aqui o risco de
ideologização a que se expõe a reflexão teológica, quando se realiza partindo
de uma práxis que recorre à análise marxista. Suas conseqüências são a total
politização da existência cristã, a dissolução da linguagem da fé no das
ciências sociais e o esvaziamento da dimensão transcendental da salvação
cristã. Ambas as ideologias assinaladas - liberalismo capitalista e marxismo -
se inspiram em humanismos fechados a qualquer perspectiva transcendente. Uma,
devido a seu ateísmo prático; a outra, por causa da profissão sistemática de um
ateísmo militante” (DP Cap.2: 5,5).
Em parágrafos anteriores, o mesmo
documento fazia a seguinte advertência: “São correntes de aspirações com
tendência para a absolutização, dotadas também de poderosa força de conquista e
fervor redentor. ( o grifo é nosso) Isso lhes confere uma "mística"
especial e a capacidade de penetrar os diversos ambientes de modo muitas vezes
irresistível. Seus slogans, suas expressões típicas, seus critérios, chegam a
marcar profundamente e com facilidade mesmo aqueles que estão longe de aderir
voluntariamente a seus princípios doutrinais.
Desse modo, muitos vivem e militam
praticamente dentro dos limites de determinadas ideologias sem haverem tomado
consciência disso”. O risco de uma ideologização da fé foi exaustivamente
exposto pela Congregação para a Doutrina da Fé na Instrução “Libertatis
Nuntius” (6 de agosto de 1984), assinada pelo seu Prefeito, hoje o Papa Bento
XVI. (continua).
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