segunda-feira, 13 de março de 2017

Dom da vocação presbiteral



Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro


Neste mês, iniciamos o tempo de formação dos nossos seminaristas nos quatro seminários arquidiocesanos. Pudemos celebrar juntos a Quarta-feira de Cinzas, fazer a investidura do hábito talar com sobrepeliz para o uso litúrgico aos que entram neste ano no Seminário Maior São José, e celebrar a conclusão das três semanas de convivência e do retiro dos propedeutas. De minha parte sempre é um canto de louvor a Deus, testemunhando a Sua ação na vida desses jovens que deixam tudo para servir aos irmãos e irmãs por causa de Cristo. Realmente, testemunhar isso é constatar a presença de Deus na história da vida das pessoas. Sempre é um momento de grande alegria!

Sirvo-me da reflexão que fez o Papa Francisco quando se encontrou, em 10 de dezembro de 2016, com os seminaristas e formadores do Pontifício Seminário Pio XI da Região da Apúlia (Puglia). Tem o texto oficial que o Papa entregou aos formadores e o que ele fez de improviso, falando de coração. Deste seu discurso, gostaria de refletir alguns itens recordando o grande dom da vocação ao sacerdócio ministerial diocesano, que estamos testemunhando neste mês de março. Embora tenham sido pronunciadas em dezembro de 2016, a meu ver são palavras bastante atuais, especialmente para a reflexão quaresmal do clero e dos que se preparam para o ministério ordenado, reiniciando suas vidas de formação em nossos seminários. 
O Papa, além de recordar do exemplo e fazer memória da religiosa e do sacerdote exemplar, como sempre gosta de concretizar suas ideias, ele coloca alguns pontos importantes para nossas vidas: o seminário como lugar de formação dos futuros presbíteros, a graça da memória eclesial, a proximidade com o povo a exemplo do Verbo Encarnado, o perigo de descuidar da paróquia, a oração diante do Santíssimo Sacramento, a fé no Espírito Santo e outras atitudes.
O seminário forma um pai para a comunidade: o Santo Padre afirma que ali é um lugar privilegiado de formação dos novos clérigos. Formação que há de ser bem dada para os padres cada vez mais errarem menos, pois os erros de um padre valem muito na mídia; os escândalos ganham ampla e rápida repercussão manchando a face humana da Igreja e, por vezes, obscurecendo o seu aspecto divino, o que é muito triste.
No entanto, não basta evitar o erro, é preciso que a vida do padre seja fecunda. Para isso não basta termos um “bom sacerdote que segue todas as regras. Não, não. Que dê vida aos outros! Que seja pai de uma comunidade. Um sacerdote que não é pai não serve”. “A paternidade da vocação pastoral: dar vida, fazer crescer a vida; não descuidar da vida de uma comunidade”. “E fazê-lo com coragem, com força, com ternura”.
A graça da “memória eclesial”: importa a cada seminarista ou padre ter presente que a Igreja não começou com ele, nem terminará com ele. Afinal, ele é um elo, importante, sim, mas um elo – no presente – entre o passado e o futuro, olhando o bom exemplo dos antecessores. Com efeito, fala o Papa: “tendes a vantagem de dispor de uma história de bons párocos, muito bons, que nos dão o exemplo de como ir em frente. Olhai para os vossos pais na fé, olhai para eles e pedi ao Senhor a graça da memória, a memória eclesial. ‘A história da salvação não começou comigo’ — cada qual deve dizer isto. ‘A minha igreja tem uma tradição, uma longa tradição de bons sacerdotes’: assumir esta tradição e levá-la adiante. E não acabará contigo. Procura deixar a herança a quem ocupar o teu lugar. Pais que recebem a paternidade de alguém e a dão aos outros. Ser sacerdote assim é bom. Certa vez encontrei o pároco de uma aldeia, um bom pároco: ‘O que fazes?’ – ‘Conheço o nome de cada um dos meus paroquianos, das pessoas’ – ‘A sério, de todas?’ – ‘Todas! Até o nome dos cães!’. Estava próximo das pessoas”.
Proximidade: este passo decorre do anterior e leva o padre a ser próximo do seu povo, dos fiéis a ele confiados na paróquia em que atua. Jamais pode ser um divorciado da realidade, mas, sim, encarnado nela, a exemplo do Filho de Deus.
Sob essa ótica, fala longamente o Santo Padre: “Não se pode ser sacerdote afastado do povo. Proximidade ao povo”. “E quem nos deu o maior exemplo de proximidade foi o Senhor, não é verdade”? “Com a sua synkatabasis fez-se próximo, próximo a ponto de assumir a nossa carne. Proximidade! Um sacerdote que se afasta do povo não é capaz de transmitir a mensagem de Jesus. Não é capaz de dar as carícias de Jesus ao povo [...]. Proximidade ao povo. E proximidade significa paciência; significa queimar [consumir] a vida, porque – digamos a verdade – o povo santo de Deus cansa, cansa! Mas como é agradável encontrar um sacerdote que termina o dia cansado e que não precisa de comprimidos para dormir bem! Aquele cansaço sadio do trabalho, de animar os outros, continuamente ao serviço dos outros...” A pobreza “fará crescer a tua doação ao Senhor e que – a pobreza – servirá de muro para te preservar, porque a pobreza na vida consagrada, na vida dos sacerdotes, ‘é mãe e muro’”. “É mãe e muro: dá vida e preserva”. “Um sacerdote próximo do povo, próximo dos problemas das pessoas”. “Esta palavra, ‘proximidade’”.
“... Proximidade! Como Jesus esteve próximo de nós. Não há outro caminho: é a via da Encarnação. Hoje as propostas gnósticas são tantas, e aquele pode até ser um bom sacerdote, mas não católico, gnóstico, não católico. Não, não! Católico, encarnado, próximo, que sabe acariciar e sofrer com a carne de Jesus nos doentes, nas crianças, no povo, nos problemas, nos tantos problemas que o nosso povo tem. Esta proximidade ajudar-vos-á muito, tanto”!
Junto a Cristo no sacrário: o padre há de ser homem de oração, especialmente junto ao Sacrário onde está o Senhor Jesus, diuturnamente, presente em seu corpo, sangue, alma e divindade, a esperar a nossa visita nos vários momentos do nosso dia cheio de atividades ministeriais. 
Mesmo cheios de atividades, precisamos do mais importante: um tempo para Jesus e com Jesus, centro de nossa vida sacerdotal, não obstante o cansaço que nos assola e pode, inclusive, nos levar ao sono ou ao cochilo do corpo. Contudo, conforme rezamos no Ofício de Completas, devemos sempre pedir a Deus: “Salvai-nos, Senhor, quando velamos, guardai-nos também quando dormimos! Nossa mente vigie com o Cristo, nosso corpo repouse em sua paz”! É isso que o Papa ensina ao indagar: “quanto tempo passais por dia sentado diante do Tabernáculo? Uma das perguntas que fazia sempre aos sacerdotes, também bons, a todos, era: tu, à noite, como vais para a cama? E eles não compreendiam: ‘Mas o que me perguntas?’ – ‘Sim, sim! Como vais repousar? O que fazes?’ – ‘Oh, sim, volto cansado. Janto alguma coisa e depois vou dormir... Vejo a televisão... Repouso um pouco...’ – Ah, bom. Mas tu não saúdas ‘Aquele’ que te enviou ao povo? Pelo menos passar um momento diante do Tabernáculo’ – Ah, sim, é verdade! Mas adormeço...’. Bendito seja o Senhor! O que há de mais bonito do que adormecer diante do Senhor? Acontece-me... Isto não é pecado, não é pecado. Também Santa Teresinha do Menino Jesus nos ensina a fazer isto. Por favor, não deixeis o Senhor! Não deixeis o Senhor sozinho no Tabernáculo! Vós precisais d’Ele. ‘Mas não me diz nada! Adormeço...’. Adormece. Mas é Ele quem te envia, é Ele quem te dá a força. A oração pessoal com o Senhor, porque tu deves ser para o teu povo como Jesus. ‘Ah, mas eu não pensava, quando entrei no seminário, que este teria sido o caminho... Eu pensava em ser padre... Pensei que fazia muitas coisas belas...’. E isto é importante, mas mais importante é encontrar Jesus, e partindo de Jesus fazer o resto. Porque a Igreja não é uma ONG, e a pastoral não é um plano pastoral. Isto ajuda, é um instrumento; mas a pastoral é o diálogo, o diálogo contínuo – quer sacramental, quer catequético, quer de ensino – com o povo”.
Recorrer ao Espírito Santo: outra dica de Francisco é recorrer ao Espírito Santo a fim de ser por Ele inspirado para que não façamos a nossa vontade, mas, sim, a de Deus em toda a nossa vida doada a Ele para o bem do próximo, pois é Ele, a terceira pessoa da Trindade, que nos leva adiante quando Lhe somos dóceis.
Uma vez mais questiona o Papa: “‘E diz-me, como é a tua relação com o Espírito Santo?’ – ‘Ah, existe um Espírito Santo?’. Aquela pergunta que São Paulo fez [aos discípulos de Éfeso] e aquela resposta, são sempre atuais (cf. At 19, 2). Todos recitamos o Glória ao Pai, e Creio no Espírito Santo’; mas, na tua vida, como entra o Espírito Santo? Sabes distinguir as inspirações do Espírito no teu coração? ‘Mas, Padre, isto é para os místicos’. Não, é para todos nós! Quando o Espírito nos leva a fazer uma coisa e quando o outro espírito, o mau, nos leva a fazer outra, sabes distinguir um do outro? Ou a tua vida se rege apenas sobre ‘tenho vontade de...’? O Espírito Santo. A docilidade ao Espírito. Uma coisa na qual devemos pensar muito na nossa vida pastoral: a docilidade ao Espírito.” É a Ele que se deve pedir o zelo apostólico, tão necessário a todo batizado, mas de um modo especial aos sacerdotes
Os quatro pilares! Descreve assim o Papa: “a vida espiritual, a oração; a vida comunitária com os companheiros; a vida de estudo, porque devemos estudar: o mundo não tolera a má figura de um sacerdote que não compreende as coisas, que não tem um método para compreender as coisas e que não saiba dizer as coisas de Deus com fundamento; e quarto: a vida apostólica; vós no fim de semana ide à paróquia e fazei esta experiência. Estes quatro pilares, que estejam sempre presentes. ‘Mas qual é o mais importante’? Os quatro são importantes. E vós, superiores e formadores, tendes que ajudar para que isto se verifique, para que seja assim. O equilíbrio destes quatro pilares não deve ser descuidado”. Ponto a ser fortemente refletido!
O bom pároco e o não à fofoca: esse exemplo é como que o fechamento do longo e oportuno discurso feito de improviso pelo Papa Francisco na ocasião, e leva-nos a examinar nossa consciência de modo mais profundo com a seguinte questão: “como tenho vivido o meu ministério ordenado”? “Penso mais em mim e nos meus próprios interesses ou no povo a mim confiado pela Igreja? Sou leal ou, às vezes, bisbilhoto?”
Eis o que relata o Santo Padre: “quero terminar com um ícone, um ícone sem uma pessoa, mas que eu vi muitas vezes quando era jovem, o telefone – porque não havia o atendedor de chamadas, não havia os telefones – nem o telefone na mesa de cabeceira do pároco. Estes bons sacerdotes, que se levantam a qualquer hora da noite para ir visitar um doente, dar os sacramentos. ‘Mas eu tenho que repousar... O Senhor salva todos... Desligo o telefone’. Isto [a disponibilidade] é o zelo apostólico, isto é derreter [consumir] a vida ao serviço dos outros. E no final o que te resta? O quê? A alegria do serviço do Senhor!”
“Pensai na religiosa e pensai no telefone sobre a mesinha de cabeceira; pensai no povo; pensai no Tabernáculo; pensai nos quatro pilares. Muitas coisas nas quais pensar... E pensai também nos bispos, nos vossos sacerdotes: se tens alguma coisa contra ele, hoje ou amanhã, o primeiro que o deve saber é ele, e não os outros com os enredos. Nunca bisbilhoteis, sede homens bons, que não fazem mexericos...”
Que esta reflexão do Papa Francisco, nesta semana em que ele comemora 4 anos de sua eleição e início de pontificado, proposta primeiramente para os Seminários de nossa Arquidiocese e seus respectivos seminaristas, mas também para os formadores, para os professores das Faculdades Eclesiásticas, para os padres e diáconos de nossa Arquidiocese, bem como para todos os demais seminaristas, diáconos e sacerdotes que lerem este artigo, na abertura do itinerário quaresmal, nos ajude, à luz do Espírito Santo, numa conversão profunda que fale alto a cada coração  e nos faça alegres no Senhor, ao dar a vida pelo Reino de Deus. Amém!

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