Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Arcebispo de Belém do Pará
Em nossa caminhada quaresmal, somos ajudados por uma mulher da Samaria, mas desejamos ser conduzidos, neste Ano Mariano Nacional, pelas mãos pela Virgem Maria, Mãe de Misericórdia, que volta para nós seu olhar e nos mostra Jesus. Na Arquidiocese de Belém, esta será uma semana especial, com a chegada e peregrinação da Imagem de Nossa Senhora Aparecida. Unimo-nos a todo o Brasil, no terceiro centenário do encontro de sua imagem, no Rio Paraíba, para percorrer as sete regiões episcopais de nossa Igreja, em romaria pelas Paróquias com títulos marianos. Vamos, mais uma vez, ao encontro das raízes marianas de nossa formação na fé, sabendo que Maria nos conduz a Jesus, seu Filho amado.
Jesus é a
Palavra Eterna do Pai que se faz carne, entrando nos ambientes e no
relacionamento das pessoas de seu tempo. Inclusive as intrigas tribais e
inimizades que atravessam gerações são como que tocadas por ele, para
estabelecer novos critérios no trato com as pessoas. Imaginemos o quanto seus
próprios discípulos se espantaram ao vê-lo conversando sozinho com uma mulher,
no olho das desconfianças entre judeus e samaritanos, que se fizeram inimigos
históricos! Tanto é verdade que dois discípulos do círculo que lhe era mais
próximo (Cf. Lc 9, 51-56), Tiago e João, foram repreendidos ao desejar que
caísse fogo do céu sobre samaritanos que não os acolheram. E sabemos que, em
outra ocasião, foi a figura de um samaritano que Jesus tomou para reconhecer o
modelo do amor ao próximo e do serviço, na parábola do "bom"
samaritano (Cf. Lc 10, 25-37), convidando a "fazer o mesmo" que um
samaritano (Lc 10, 37). Agora, à beira do poço. No episódio colocado diante de
nossos olhos, numa viagem da Galileia para a Judeia, "era preciso que ele
passasse pela Samaria. Chegou, pois, a uma cidade da Samaria, chamada Sicar,
perto da propriedade que Jacó tinha dado a seu filho José. Havia ali a fonte de
Jacó. Jesus, cansado da viagem, sentou-se junto à fonte. Era por volta do meio-dia"
(Jo 4, 4-6). Certamente "era preciso", para que nenhum de nós pense
ser fortuito o encontro com a Samaritana. Era preciso para sua vida e salvação!
Era preciso para que todos nós nos aproximemos do mesmo poço, com nossas
histórias e perguntas com nossos mistérios mais profundos.
Vale
observar a carga de humanidade que a cena descrita pelo Evangelho de João
comunica! Jesus é Deus, mas tem sede, precisa descansar assentado à beira de um
poço, no maior calor do dia, pede água, conversa, provoca, escuta, fica sabendo
de histórias familiares, acolhe pessoas, é gente!
Desejamos
visitar Sicar (Jo 4, 1-42), onde se encontra o Poço de Jacó e Jesus conversou
com a Samaritana. Esta entrou de forma tão delicada e ao mesmo tempo forte no
Evangelho, tornando-se anunciadora do Cristo, que lhe revelou tudo o que tinha
feito. Através de Sicar, visitamos as famílias de nosso tempo, no estado em que
se encontram, mesmo aquelas que já estiverem na quinta união! Trata-se de olhar
para cada família, começando da nossa, com suas qualidades e defeitos, para,
assentados à beira do poço de Água viva, que é o Filho da Virgem Maria, beber
da fonte de água pura (Cf. Jo 4, 10), para a santidade do matrimônio e da
família. Não percamos de vista o ideal a ser alcançado e, ao mesmo tempo,
tenhamos os sentimentos de realismo e misericórdia diante do que se vive hoje.
"Cada
família tem diante de si o ícone da família de Nazaré, com o seu dia-a-dia
feito de fadigas e até de pesadelos, como quando teve que sofrer a violência
incompreensível de Herodes, experiência que ainda hoje se repete tragicamente
em muitas famílias de refugiados descartados e inermes. Como os Magos, as
famílias são convidadas a contemplar o Menino com sua Mãe, a prostrar-se e
adorá-lo (Cf. Mt 2, 11). Como Maria, são exortadas a viver, com coragem e
serenidade, os desafios familiares tristes e entusiasmantes, e a guardar e
meditar no coração as maravilhas de Deus (Cf. Lc 2, 19.51). No tesouro do
coração de Maria, estão também todos os acontecimentos de cada uma das nossas famílias,
que ela guarda solicitamente. Por isso pode ajudar-nos a interpretá-los de modo
a reconhecer a mensagem de Deus na história familiar" (Papa Francisco -
Amoris Laetitia 30).
Os homens
e as mulheres chamados a esta belíssima vocação são convidados a renová-la na
Quaresma, e todos estamos unidos pela santificação de nossas famílias. Diante
das famílias, desejamos oferecer o serviço da consolação: "A misericórdia
possui o rosto da consolação. 'Consolai, consolai o meu povo' (Is 40, 1): são
as palavras sinceras que o profeta faz ouvir ainda hoje, para que possa chegar
uma palavra de esperança a quantos estão no sofrimento e na aflição. Nunca
deixemos que nos roubem a esperança que provém da fé no Senhor ressuscitado. É
verdade que muitas vezes somos sujeitos a duras provas, mas não deve jamais
esmorecer a certeza de que o Senhor nos ama. A sua misericórdia expressa-se
também na proximidade, no carinho e no apoio que muitos irmãos e irmãs podem
oferecer quando sobrevêm os dias da tristeza e da aflição. Enxugar as lágrimas
é uma ação concreta que rompe o círculo de solidão onde muitas vezes se fica
encerrado" (Papa Francisco, Misericordia et Misera, 13).
Há muitos
poços de Jacó espalhados pelas nossas cidades, esperando alguém que chegue em
nome de Jesus para escutar e refazer estradas, sem medo de ir ao fundo das
interrogações humanas e da diversidade de situações familiares, que clamam por
presença e consolação. Há gente com sede de água viva gritando por socorro,
clamando por cristãos que aceitem ser pequenos e simples, começando de novo,
sem se escandalizarem com histórias de dor e lágrimas. Saibam os que acolherem
o convite que podem estar escondidas por estas paragens muitas pessoas que no
futuro dirão como os concidadãos da mulher samaritana. "Já não é por causa
daquilo que contaste que cremos, pois nós mesmos ouvimos e sabemos que este é
verdadeiramente o Salvador do mundo" (Jo 4, 42).
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