Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e reitor da PUC Minas
Os brasileiros precisamos ter a
consciência da gravidade do momento político, social, econômico e moral
que vivemos nos últimos meses. No difícil ano de 2016, o país viu-se
diante de projetos e decisões congressuais - alguns já implementados -
que claramente trarão em curto e médio prazos consequências graves para
os trabalhadores e os pobres. O rotundo silêncio do presente contrasta,
inexplicavelmente, com o rotundo barulho do ontem.
A conscientização e mobilização contra a
chamada PEC 241 na Câmara Federal e PEC 55 no Senado, que mereceu nossa
atenção e apoio, não lograram resultado. Como compreender a lógica do
corte no social e na educação e ao mesmo tempo o aumento nos
ministérios, nos salários de algumas categorias já bem enriquecidas em
relação à grande massa de assalariados e desempregados no país? Assuntos
outros como a polêmica reforma do ensino médio, a redução da maioridade
penal, a reforma da Previdência Social, a transferência da
responsabilidade pela demarcação das terras indígenas do Poder Executivo
para o Legislativo, como inapetência do Estado frente ao contínuo
agravamento das condições de vida das populações indígenas, as mudanças
no estatuto do desarmamento, as alterações em leis trabalhistas, o
preenchimento de inúmeros cargos importantes com políticos, empresários e
juristas sob suspeita ou em adiantado processo de investigação apontam,
infelizmente, para sérios retrocessos em diversas conquistas que
resultaram da mobilização de milhões de brasileiros desde tempos antigos
como o da Constituinte, por exemplo.
É inegável que são propostas que, a
despeito das fartas justificativas e explicações de natureza econômica e
financeira, significarão ainda mais riscos, perdas e sacrifícios para
os pobres. Mas não apenas estes. Famílias da chamada classe média veem
rapidamente diminuir seu poder de compra, tendo que adiar sonhos como o
de possuir o imóvel próprio, aumentar a família, formar os filhos na
universidade ou que seja viajar e descansar da rotina de trabalho, cada
vez mais massacrante e, com a pretendida reforma da previdência, com
perspectivas muito longínquas de aposentadoria. A mortalidade precoce
ronda cada vez mais as micro e pequenas empresas, que mal conseguem
pagar os salários de seus poucos funcionários.
Mas a reação governamental a isso tem
sido, por um lado, a defesa dos interesses do grande capital e, por
outro, a exigência de sacrifícios dos mais pobres e a agudização das
condições de sobrevivência da microeconomia e da própria economia
doméstica. Mais do que poupado, o sistema financeiro é novamente
privilegiado. Como no mundo todo, os bancos vão bem melhor que o país.
Aliás, difícil lembrar no Brasil algum momento em que banqueiros tenham
reclamado de decisões econômicas. A mais terrível síndrome brasileira da
Casa Grande & Senzala arraigada no modus operandi, faciendi e
vivendi sociopolítico, governamental, empresarial e, assombremo-nos
todos, também do Judiciário.
Se a economia é que, em geral, mais
impacta as pessoas, não devemos nos distrair em relação aos outros
setores da vida social. Um fenômeno que parece, ao mesmo tempo, se dar
também em vários países do mundo, o Brasil testemunha neste momento uma
triste desaceleração e recuo em iniciativas de resgate da dignidade
popular. Somada à crise econômica que, como sempre, atinge de modo mais
draconiano e covarde os empobrecidos, observamos, claramente, no país,
na política e nos direitos sociais, uma guinada conservadora e
neoliberal.
Importantes conquistas em termos dos
dispositivos e dinâmicas de participação democráticas nas políticas
públicas e diretamente nos governos dos municípios e estados via
associações de bairros, de categorias profissionais, grupos sociais e
redes de apoio comunitário vão se fragilizando e desmaterializando. É
lamentável observar como a cidadania no Brasil, mantida historicamente
em situação anêmica e emudecida, volta a ser constrangida, na exata hora
em que se reanimava e reunia forças para erguer a cabeça e caminhar.
Pode-se mencionar aqui as paradoxais
medidas de imputar penalmente os adolescentes – pessoa adulta em
formação – e permitir que os recém-adultos possam portar armas de fogo, o
que certamente não significará a diminuição ou maior controle da
violência. Pelo contrário, tudo sugere que aumentará a verdadeira guerra
civil que, anualmente, dizima dezenas de milhares de brasileiros em
mortes por arma de fogo, especialmente os mais jovens e negros, muitos
pelas forças que deviam proteger a população. Tragédia sobre a qual a
sociedade simplesmente silencia.
Assim como também a mídia e a maior
parte da sociedade não se pronunciam sobre o gravíssimo momento
enfrentado pelas populações indígenas brasileiras. Nesses quase 30 anos
de vigência da Constituição, que estabeleceu avanços importantes de
proteção aos direitos indígenas e das populações tradicionais, essas
comunidades estejam enfrentando hoje, talvez, os riscos mais graves do
que em qualquer outro momento dessas três décadas. É a conclusão de um
relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das
Nações Unidas. O relatório chama a atenção para um aspecto que parece
bem sintomático do Brasil atual, em que o Estado insiste em viver
divorciado da sociedade civil. O país dispõe de uma série de disposições
constitucionais exemplares em relação aos povos indígenas, mas não as
aplica e o que se percebe é a deterioração intensa das condições de vida
desses povos.
Nenhuma nação pode realizar-se em meio a
tanta desigualdade. É papel precípuo da Universidade não só expressar
sua solidariedade às massas de pobres, trabalhadores empregados ou não,
homens e mulheres de boa vontade e de todas as idades, como também
contribuir para a formação da consciência crítica, cidadã, ecológica
integral, progressista, ética, arejada, humanizada, inclusiva, justa e
livre.
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