Ter, 15 de Janeiro de 2013 07:58 por: cnbb
Dom Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
Arcebispo de São Paulo
Encontro-me no Haiti desde o dia 8 de
janeiro. Vim para cá com o Padre Gianpietro Carraro e alguns outros
missionários e voluntários da Missão Belém. Fomos acolhidos e hospedados num
centro missionário dos Padres Carlistas, que ficou em pé depois do terremoto;
ali também estão abrigadas as religiosas da CRB, que vieram para trabalhar no
Haiti, além da comunidade do Seminário Maior Diocesano do Haiti, com mais de
200 seminaristas.
Fizemos visita ao Arcebispo de Porto
Príncipe, que estava reunido com vários sacerdotes, em retiro. Contou-nos um
pouco sobre a situação
da Igreja neste tempo posterior ao terremoto. Ainda
falta reconstruir muitas igrejas, as missas continuam a ser celebradas debaixo
de tendas, a construção do Seminário ainda não começou... A visita à catedral,
em ruínas, é desoladora. No entanto, andando pelas ruas, já não se veem mais
tantos sinais do terremoto; os materiais foram removidos e a maioria das casas
recuperáveis parece ter sido reparada. Contudo, edifícios públicos, de governo,
continuam em ruínas.
Ainda se observam grandes campos de
tendas, onde as pessoas continuam a viver e a esperar uma casa para morar;
muita gente também foi para as periferias da cidade e constituiu novas áreas de
favelas, ocupando áreas disponíveis; outros, foram para as montanhas, perto de
Porto Príncipe, onde o ar é melhor; também essas estão à espera de receber uma
casinha. De fato, a poluição do ar é grande, além da poeira, pois é seco neste
período.
Na visita ao Núncio Apostólico, pudemos
ouvir uma nova explicação sobre a situação do país e sobre o fluxo das ajudas
internacionais para a reconstrução do país. Uma breve visita aos Capelães do
Brasil e do Paraguai, das Forças de Paz da ONU, também foi proveitosa para
compreender o papel dessas forças internacionais, que continuam no Haiti,
cuidando da segurança, mas em grau já diverso do início de sua presença; hoje
já existe uma polícia haitiana, que começa a ter significado sempre maior para
cuidar da ordem.
Passei a maior parte do tempo com os 7
missionários da Missão Belém, que estão estavelmente no Haiti. Eles vieram para
cá há cerca de 2 anos e já estão fazendo um trabalho de grande significado e
valor em Warf Jeremie, um bairro distante do centro de Porto Príncipe; trata-se
de uma favela formada sobre um lixão imenso, onde as pessoas vivem em barracos
paupérrimos, em condições degradantes para a dignidade humana, sobre o lixo,
junto com um canal de esgoto a céu aberto, com porcos por todo lado e um mau
cheiro insuportável. Dizem que seriam mais de 200 mil pessoas! Por toda parte,
muitas crianças! Não há ruas, nem luz, nem água encanada. Não há trabalho e as
pessoas procuram fazer bico para sobreviver.
Nesse bairro, já existem vários
trabalhos sociais, de diversas organizações. Foi ali também que a Missão Belém
iniciou, com o apoio de benfeitores de São Paulo e da Itália, um centro de
acolhida para crianças; foram construídas várias casinhas simples, mas
decentes, com salas para acolher crianças; funciona como uma escolinha, que já
acolhe cerca de 450 crianças, desde 6 meses até 8 anos; a maioria delas são bem
pequenas e isso requer a ajuda de voluntários e assalariados. A manutenção é
assegurada por apadrinhamentos à distância e pela Providência de Deus...
A visita às salas foi comovente; as
crianças estão limpinhas, bem nutridas, os olhinhos brilhando...Passam o dia
inteiro ali e recebem alimentação 3 vezes ao dia. À tarde, voltam para suas
mães. Se não estivessem ali, provavelmente estariam brincando sobre o lixo, em
meio ao esgoto, passando fome... Com as crianças, os pais, sobretudo as mães,
também são envolvidas na escolinha e aprendem a fazer muitas coisas úteis. Uma
vez por semana, uma das religiosas da CRB, que é enfermeira, vai lá e dá alguma
assistência à saúde.
Os missionários visitam as casas,
promovem várias ações de evangelização com o povo e já falam o creolo
fluentemente... Vi que são bem aceitos e bem quistos pelo povo. Eles mesmos
também vivem numa choupana precária e muito pobre, como são as do povo, para
compartilhar concretamente a vida daquela população.
Fizemos uma via sacra no meio da
favela, esgueirando-nos entre os barracos, onde não existem ruas... Foi uma
experiência chocante ver de perto onde e como vivem aquelas pessoas. A ideia de
Jesus, que continua a carregar a cruz nas dores e sofrimentos da humanidade,
foi muito forte.
Hoje, 12 de janeiro, transcorre o 3.
Aniversário do terrível terremoto, no qual perderam a vida mais de 300 mil
pessoas; entre elas, também Dra. Zilda Arns, que tinha vindo para cá para
fundar a Pastoral da Criança. Rezarei uma Missa num santuário, lembrando de
todas as vítimas. Já tive contatos com as religiosas da CRB, que estão
empenhadas em várias frentes de trabalho para ajudar a população a retomar a
vida; há várias congregações, de diversos países, bem como grupos de
voluntários, fazendo o mesmo.
O Haiti continua sendo um país muito
pobre e devastado; mas tem muitas possibilidades e, com muitos pequenos
“milagres”, motivados pela solidariedade e a caridade fraterna, certamente
conseguirá superar a situação atual.
Porto Príncipoe, 12.01.2013.
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