Sex, 05 de Abril de 2013 09:33 por: cnbb
Dom Redovino Rizzardo
Bispo de Dourados (MS)
Bispo de Dourados (MS)
No dia 16 de fevereiro de 2013, em
Caarapó (MS), Denilson Barbosa, um indígena de 15 anos, foi assassinado com um
tiro na cabeça e abandonado numa estrada vicinal do município. O adolescente
estava se dirigindo para pescar numa fazenda dos arredores com outros dois
companheiros, quando foi morto por três homens, entre eles o proprietário. Como
resposta ao crime, cerca de 200 índios invadiram a propriedade, há tempo
reivindicada como “terra tradicional”.
A morte de Denilson é um novo capítulo
da violência provocada pelo barril de pólvora que virou o Mato Grosso do Sul.
Por não se tomarem as medidas necessárias para dirimir um conflito que cresce a
cada ano que passa, o medo e a desconfiança mantêm em margens opostas indígenas
e agricultores, transformando-se em ódio e assassinatos. Enquanto isso, as
autoridades de Brasília continuam visitando a região para renovar promessas que
nunca se cumprem e participar de simpósios que nada resolvem.
“Nada resolvem”, pela falta de vontade
política, que precisa de excluídos e marginalizados como massa de manobra para
fins eleitoreiros. Contudo, em seminários onde a palavra é dada a todos,
inclusive aos indígenas, começou a surgir uma luz no fundo do túnel,
sintetizada em dois itens de capital importância: quanto aos produtores rurais
que tiverem suas propriedades demarcadas, sejam indenizados pelo valor real das
mesmas (e não apenas por suas benfeitorias); quanto às comunidades indígenas,
suas aldeias sejam revitalizadas e transformadas em núcleos populacionais
(urbanos e rurais), com os serviços e as políticas públicas indispensáveis às
necessidades de seus habitantes, assim como se procura fazer com as demais
cidades e vilas do país.
O mundo caminha e a cultura vai sendo
regida por novos paradigmas. Mesmo respeitando a índole de cada povo, é impossível
retornar aos “bons tempos antigos”. Os conflitos de geração começam a medrar
também entre as famílias e comunidades indígenas. Como consequência, cresce em
seu meio o êxodo rural que atinge os não-índios em outros recantos do Brasil.
Cada vez mais, são somente os adultos e as crianças que permanecem no campo. É
a constatação que faço nas visitas a algumas aldeias da Diocese de Dourados.
Apesar de seus territórios serem normalmente considerados exíguos, há terra
inculta ou arrendada para fazendeiros vizinhos. Dois são os motivos desta
situação: para os índios, a falta de condições e os critérios diferentes no
cultivo; para o governo, o agronegócio tem primazia sobre a agricultura
familiar.
Afetados pela globalização galopante
que avança em toda a parte, os jovens indígenas são levados a rever os
critérios de inculturação e integração que lhes eram repassados. Aqueles que
não têm acesso aos cursos superiores – são a imensa maioria – preferem
trabalhar nas usinas de álcool, na construção civil e em várias empresas das
cidades vizinhas, pois, no final do mês, têm o seu dinheirinho garantido.
Os índios fazem parte da “aldeia
global” em que se está transformando o mundo, como previu Marshall McLuhan, em
1962. Se, em todos os segmentos da sociedade, o mau uso dos meios de
comunicação faz as suas vítimas, não são exceção os jovens indígenas. A
corrupção, a violência, a droga, a bebida, a prostituição – e muitos outros
males e doenças – deixaram de ser apanágio dos “brancos”. É a queixa que ouvi
de um idoso, que falava com saudades do tempo em que «o povo vivia do que plantava. Havia milho, mandioca e batata.
Hoje, índio novo não quer mais trabalhar a terra e, por isso, não tem o que
colher». E concluía com tristeza: «O moço
agora bebe e arruma briga. Naquela época só tinha chicha».
Há séculos, os Guarani/Kaiowá do Mato
Grosso do Sul caminham em busca do “bem viver” numa “terra sem males”. Talvez
seja por isso que se sentem mais nômades do que sedentários. Os “novos céus e a
nova terra” não são privilégio da utopia cristã. São eles que sustentam a
labuta do homem e o tornam solidário com os irmãos de caminhada. É nesta
partilha de dons e de serviços, em que cada cidadão é respeitado e
protagonista, que se constrói a sociedade que o Brasil precisa. Se os valores e
os direitos são inquestionáveis, também o são os deveres... e as diferenças,
como pediu uma liderança indígena: «A sociedade
branca tem que entender e respeitar o nosso jeito de ser e de viver. Não
estamos em luta contra ela. Nós também somos parte dela, só que com nossas
diferenças».
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