Sex, 05 de Abril de 2013 11:44 por: cnbb
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
Bispo de Macapá
Uma velha senhora doente dos olhos
mandou chamar um médico. Ele foi atendê-la e, sempre que lhe aplicava um
unguento, roubava alguma coisa da casa, já que ela estava de olhos fechados.
Depois de tratá-la e de levar seus móveis, apresentou-lhe a conta. Como a velha
não quis pagá-lo, ele abriu-lhe um processo. No tribunal, ela declarou que
tinha se comprometido com ele a pagar desde que ele a curasse; ora, no momento,
ela estava vendo bem menos que antes da cura: - Antes – disse ela – eu via
todos os móveis de minha casa; agora não vejo mais nenhum.
Sempre simpáticas as antigas fábulas de
Esopo. No caso, a senhora idosa acabou vendo melhor do que o médico pensava:
percebeu que tinha sido roubada. A vista é um grande dom, mas não basta
enxergar bem, é preciso compreender o que estamos vendo. É por isso que na
frente da mesma realidade nem todos os que estão olhando enxergam a mesma
coisa.
No segundo domingo de Páscoa, todo ano
encontramos o evangelho de João que apresenta a primeira aparição de Jesus
ressuscitado aos discípulos reunidos e bem trancados em casa por medo dos
judeus. Tomé não estava presente e não acreditou naquilo que os outros diziam
ter visto. Oito dias depois, Jesus compareceu novamente e repreendeu o apóstolo
incrédulo. Em resposta este fez abertamente a sua bela profissão de fé: “Meu
Senhor e meu Deus!”. Com certeza esta foi uma das primeiras expressões do
“credo” da Igreja com referência a pessoa de Jesus, o crucificado-ressuscitado
começando a chamá-lo, assim, de Senhor e Deus.
Sempre estamos prontos a ficar do lado
do pobre Tomé, porque achamos que ele tinha todo o direito de conferir os
sinais da paixão no corpo de Jesus para não ficar pensando que os outros
pudessem ter visto errado. No entanto bem sabemos que nós nunca vamos poder
repetir a mesma experiência; nós estamos exatamente na condição dos bem-aventurados
que terão que acreditar não por uma visão pessoal, mas pelo testemunho dos
outros, de quem “viu e acreditou” (cf. Jo 20,8). O segredo da história,
portanto, está no testemunho. Podemos nos perguntar: Tomé não acreditou
imediatamente mais pelo fato de não ter visto o Senhor Jesus na primeira vez ou
mais pela atitude dos discípulos que continuavam trancados em casa? O nosso
amigo tinha todo o direito de duvidar daquilo que os outros diziam,
simplesmente, por continuar a vê-los ainda com tanto medo. Deve ter pensado que
se tivesse sido verdade que Jesus estava vivo e tinha doado a eles o dom do
Espírito Santo (cf. Jo 21,22) por que estavam guardando para si a Boa Notícia?
O que estavam esperando para sair em missão? A prova, legítima, da dúvida de
Tomé está na forma como o livro dos Atos dos Apóstolos nos conta a chegada do
Espírito Santo no dia de Pentecostes. Naquele dia, portas e janelas foram
escancaradas e os apóstolos saíram para pregar a absoluta novidade: aquele que
foi crucificado estava vivo, tinha vencido a morte e, agora, Ele era o Senhor
da Vida. O medo se foi. Por causa deste anúncio, eles foram caluniados,
açoitados e até mortos. Pelo testemunho deles a fé em Jesus “Senhor e Deus”
chegou até nós.
Quantas vezes, nos dias de hoje, perguntamo-nos:
Por que é tão difícil crer e por que também dá tanto trabalho quebrar o gelo
dos corações, atrair as pessoas, para que se deixem ajudar a encontrar Jesus,
aquele que é capaz de comunicar vida, força e esperança a todos os que o
procuram de coração sincero? A resposta ainda é e sempre será o nosso
testemunho. A nossa fé deve ser corajosa, deve ser bem visível e inequívoco;
deve ser comprovada pelas nossas obras, pela dedicação em transformar o mundo
com o bem e o amor, pela defesa da justiça em favor dos pobres e dos pequenos.
A ausência de fé ao nosso redor é uma
acusação contra nós. Pode ser que nos tenhamos apropriado de algo que não é
somente nosso e que precisamos devolver. A velha senhora desmascarou o médico
ladrão. Para acreditar, o mundo nos pede o testemunho da fé. Se está nos
cobrando é porque percebe que lhe falta alguma coisa. Isso é bom.
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