Fonte:
CNBB (Segunda, 07 Abril 2014 12:26)
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)
Arcebispo de São Paulo (SP)
Ao saberem da notícia da canonização do Padre José
de Anchieta, muitas pessoas perguntarem logo: qual foi o milagre? Por qual
milagre ele se tornou santo?
As perguntas não surgem sem motivo, pois a Igreja
sempre tem falado que, para a beatificação, é preciso que haja um milagre,
acontecido pela intercessão daquele que é beatificado; e, para a canonização,
espera-se um novo milagre do bem-aventurado. Desta maneira, a Igreja entende
que Deus, o único a realizar milagres, confirma a santidade daqueles que
veneramos como “santo”.
A Igreja é muito criteriosa e até severa para dar
reconhecimento a um suposto milagre. No caso de Anchieta, houve a confirmação
de um milagre antes de sua beatificação. Para a sua proclamação como “santo”,
foi dispensada a confirmação de um novo milagre. O Papa pode fazer isso, usando
da autoridade que lhe é própria. É verdade que não faltaram testemunhos sobre
sinais prodigiosos conseguidos através da intercessão de Anchieta; mas, de modo
geral, tais supostos milagres são de difícil verificação, dada a escassez de
documentação e de testemunhos.
Aqui se faz oportuna uma reflexão: os santos, assim
reconhecidos e proclamados pela Igreja, não se tornam “santos” por causa de
algum milagre; o reconhecimento público e oficial da Igreja supõe, acima de
tudo, a vida santa de quem é proclamado “santo”. Por isso mesmo, este ato
oficial da Igreja não é dito “santificação”, mas “canonização”, ou seja,
inscrição na lista (“cânon”) dos santos reconhecidos pela Igreja. Ninguém se
torna “santo” depois da morte; o que conta, é a vida santa e o testemunho de
santidade durante esta vida.
Foi o que aconteceu com Anchieta. O papa Francisco
reconheceu oficialmente aquilo que se tinha por certo já quando Anchieta
faleceu, em 1597: foi um homem santo, um homem de Deus, que se dedicou
profundamente à obra do Evangelho, no seguimento de Jesus; homem de
extraordinária fé, esperança e caridade, ele viveu conforme as
bem-aventuranças, cultivou a misericórdia, a oração e a comunhão com Deus; foi
zeloso da glória de Deus e do bem do próximo, gastou sua vida como missionário;
foi um grande cristão, um sacerdote dedicado, um filho amoroso da Igreja. E
isso foi testemunhado pelos que o conheceram em vida e, sem interrupção,
confirmado pela Igreja, depois de sua morte, até nossos dias. Falta alguma
coisa para ser santo?!
As pessoas gostam de saber: para qual “graça” o
Santo deve ser invocado? A Igreja ensina que, acima de tudo, os santos devem
ser imitados; eles são testemunhas de vida cristã, excelsos discípulos de
Jesus. Em nossos dias, devemos pedir a intercessão de São José de Anchieta para
conseguir aquelas “graças” que mais o caracterizaram em vida: ser pessoas de fé
viva, apaixonados por Deus, pela Igreja e sua missão; ser missionários
dedicados e capazes até de sacrifícios pela causa do Evangelho; ser catequistas
criativos e interessados em comunicar aos outros os tesouros do Reino de Deus;
ajudar outros a se aproximarem de Cristo vivo, a chegarem à alegria de crer;
ser respeitosos para com todos, promotores da justiça e da defesa dos mais
fracos e vulneráveis; ser pacificadores, sem deixar que a violência imponha a
sua lei...
Quantos “milagres” podemos pedir a Deus pela
interessão de São José de Anchieta! Sem esquecer que ele veio ao Brasil ainda
jovem, com 19 anos de idade, com um desejo imenso de “levar irmãos para Cristo”
e de promover em tudo a maior glória de Deus (“ad maiorem Dei gloriam”)...
Nenhum sacrifício ou renúncia lhe pareceram demasiados para fazer isso. Ainda
hoje, Anchieta pode ser uma inspiração para muitos jovens!
Nosso tempo desafia-nos a sermos missionários e
isso requer “conversão pessoal e pastoral”. O papa Francisco tem dito que
precisamos ser um “povo em missão” e uma Igreja “em saída”, indo aos irmãos que
vivem nas “periferias” de todos os tipos. Este é mais um “milagre” importante a
ser pedido através do missionário Anchieta, que largou tudo e foi ao encontro
daqueles que viviam nas periferias do mundo, na América...
Oh, sim, valei-nos, São José de Anchieta! Olhai
para o nosso Brasil, o “vosso” Brasil! Pedi essas graças para nós! Precisamos
muito desses milagres!
São José de Anchieta. O Apóstolo do Brasil
Fonte: CNBB
(Segunda, 07 Abril 2014 14:31)
Dom Anuar Battisti
Arcebispo de Maringá (PR)
No dia 03 de abril o Padre José de Anchieta é
canonizado sem os dois milagres geralmente necessários; um para a beatificação
e outro para a canonização propriamente dita. Os canonistas chamam este
procedimento de “canonização equivalente”, pois ela equivale ao processo normal
para declarar que determinada pessoa falecida se encontra junto de Deus,
intercedendo pelos que ainda vivem na terra. Na canonização equipolente deve-se
ater a três requisitos básicos: 1) a prova do culto antigo ao candidato a
santo, 2) o atestado histórico incontestável da fé católica e das virtudes do
candidato, 3) a fama ininterrupta de milagres intermediados pelo candidato.
José de Anchieta nasceu em 19 de março de 1534 em
Tenerife, nas Ilhas Canárias, na Espanha. Era primo do fundador da Companhia de
Jesus, Santo Inácio de Loyola, onde ingressou em 1551. Chegou ao Brasil em
1553, aos 19 anos, por iniciativa do Padre Manuel da Nóbrega, que precisava de
reforço para a evangelização no País. No Brasil José de Anchieta percorreu
vários Estados, como Bahia, São Paulo e Espírito Santo. Foi criador do Colégio
de Piratininga, inaugurado em 25 de janeiro de 1554 e que deu origem à cidade
de São Paulo. O jovem jesuíta catequizou índios, fundou e construiu povoados,
colégios e igrejas. Também lutou contra invasores franceses no Espírito Santo e
fundou e dirigiu o Colégio dos Jesuítas em Vitória.
José de Anchieta morreu na aldeia de Reritiba,
atual município que leva seu nome, em 9 de junho de 1597 e seu corpo foi
transportado pelos índios até a Catedral de Vitória, onde foi sepultado.
Enquanto era transportado, o corpo caiu no chão e os índios bradaram “Aba ubu”,
que significa “O padre caiu”. O local da queda é o atual balneário de Ubu,
pertencente ao município de Anchieta. Em 1611 os seus restos mortais foram
transladados. Uma parte foi levada para o Colégio São Thiago, que dirigiu em
Vitória, hoje Palácio Anchieta, sede do Governo do Espírito Santo, e outra
enviada para Roma.
O Padre Anchieta foi beatificado pelo papa João
Paulo II, em Roma, em 22 de junho de 1980. O processo durou 417 anos e foi um
dos mais longos da História. O Arcebispo de Vitória, Dom Luiz Mancilha, afirma
que o Beato Anchieta teve grande influência na formação religiosa do Estado e
do Brasil: “Ele foi um grande catequista, um grande missionário, grande
professor, grande místico, um homem de Deus!”. Sua disposição em caminhar fazia
com que ele, pelo menos duas vezes por mês, percorresse a trilha litorânea
entre Iririgtiba (atual balneário de Iriri) e Vitória, 105 quilômetros,
conhecida como os “Passos de Anchieta”, hoje é um caminho percorrido por muitos
brasileiros e estrangeiros.
Popularizado como o Apóstolo do Brasil, Anchieta
foi um missionário incomparável, fundador de cidades, gramático, poeta,
historiador e teatrólogo. O apostolado não o impediu de cultivar as letras,
pelo contrário, o incentivou a compor belíssimos textos, o que fez em quatro
línguas: português, castelhano, latim e tupi, em prosa e verso. Festejamos com
muita fé o dia 03 de abril quando o Papa assinou o decreto de Canonização.
A canonização de José de Anchieta é um
acontecimento social e religioso. Deveras, a pujança, a desenvoltura da cidade
de São Paulo em muito é tributária da operosidade dinâmica dos jesuítas. Da
mesma forma que a Companhia de Jesus se expandiu avassaladoramente em
pouquíssimo tempo, São Paulo progrediu miraculosamente, talvez graças ao toque
inicial de São José de Anchieta e Padre Manoel da Nóbrega.
Quem foi o padre José de
Anchieta?
Nos
primeiros dias de abril deste ano o papa Francisco proclamará “santo” o padre
José de Anchieta, um missionário que marcou profundamente o Brasil nos seus
inícios.
Anchieta
nasceu em San Cristóbal de la Laguna (Canárias), em 19 de março de 1534. Seu
pai, Juan López de Anchieta, vinha de importante família basca e foi opositor
político no País Basco do imperador Carlos V, da Espanha. Juan López acabou
encontrando refúgio nas Canárias para escapar das perseguições sofridas. A mãe,
Mencía Díaz de Clavijo y Llerena, era natural das ilhas.
Enviado
para estudar em Portugal quando tinha 14 ou 15 anos de idade, durante seus
estudos de Filosofia na Universidade de Coimbra teve contato com os jesuítas,
apenas fundados como ordem religiosa; em 1.º de maio de 1551 entrou na
Companhia de Jesus. Enquanto na comunidade local eram lidas as cartas dos
primeiros missionários jesuítas no Oriente, entre os quais São Francisco
Xavier, nasceu em José de Anchieta o desejo de também seguir o mesmo caminho
missionário. Mas foi enviado para o Brasil pelo próprio Inácio de Loyola,
fundador da Companhia de Jesus; em Salvador, de fato, já estavam em ação o
padre Manuel da Nóbrega e alguns companheiros.
Partiu de
Lisboa em 8 de maio de 1553 e desembarcou em Salvador no dia 13 de julho
seguinte, ainda noviço e com apenas 19 anos de idade. Após um breve período de
adaptação, Anchieta acompanhou o padre Nóbrega à nova missão de Piratininga,
aonde chegaram em 24 de janeiro de 1554. No dia seguinte, festa litúrgica da
conversão do apóstolo São Paulo, foi celebrada a primeira missa nessa missão,
que recebeu o nome de São Paulo em homenagem ao apóstolo missionário. Essa data
é reconhecida oficialmente como marco histórico da fundação da cidade de São
Paulo.
Anchieta
desempenhou ali intenso trabalho no colégio, o primeiro dos jesuítas na
América. Ensinou a língua portuguesa aos filhos de índios e portugueses, mas
também estudou a língua dos indígenas e compôs a primeira gramática da língua
tupi; no mesmo idioma dos índios escreveu um catecismo, várias peças de teatro
e hinos. E ainda compôs poemas e escreveu obras em português, latim e tupi e
guarani.
Nos
primeiros meses de 1563 acompanhou o padre Nóbrega na negociação da paz entre
portugueses e tamoios – estes ameaçavam a colônia de São Vicente. Para dar
provas de sinceridade na proposta de paz Anchieta entregou-se como refém aos
índios, ficando mais de seis meses entre eles, enquanto Nóbrega e seus
companheiros negociavam com a Confederação dos Tamoios. Nesse mesmo período,
nada fácil e de contínuos riscos para sua vida, Anchieta escreveu nas areias de
uma praia de Ubatuba seu Poema à Virgem Maria.
Uma vez
conseguida a chamada Paz de Iperoig, ele se dedicou às missões de São Vicente e
de São Paulo, sempre atento à educação, à saúde e à assistência religiosa de
indígenas e portugueses. Em 6 de junho de 1566 recebeu, na Catedral de
Salvador, a ordenação sacerdotal. Tinha então, quase 32 anos de idade.
Em
janeiro de 1567 partiu com o padre Manuel da Nóbrega para o Rio de Janeiro,
para fundar o colégio local, que também regeu como reitor entre 1570 e 1573.
Nos anos seguintes foi o responsável pela missão de São Vicente, onde se
dedicou sobretudo à catequese entre os índios tapuias.
Enquanto
isso, escrevia longos relatos aos superiores da Companhia de Jesus sobre as
suas atividades missionárias. Fino observador dos usos e costumes indígenas,
suas cartas estão repletas de elementos preciosos para os estudos
antropológicos dos primeiros habitantes do Brasil. Mas também são muitas as
suas anotações sobre a flora, a fauna, a geografia e o clima da terra
brasileira. José de Anchieta pode ser considerado um dos primeiros antropólogos
e naturalistas do Brasil.
Em 1576
tornou-se o quinto provincial da Companhia de Jesus no Brasil, ocupando esse
cargo até 1587. Apesar de sua saúde, nunca boa, empreendeu constantes viagens,
percorrendo o litoral desde Cananeia até o Recife, para acompanhar as várias
missões que os jesuítas já possuíam no Brasil. Foi também com a sua colaboração
que tiveram início as reduções do Paraguai, com sede inicial em Assunção e que
se estenderam para o território da Argentina e do sul do Brasil, ao longo dos
Rios Paraguai, Paraná e Uruguai.
A essa
altura já trabalhavam no vasto território brasileiro 140 missionários da
Companhia de Jesus, os quais Anchieta visitava duas vezes por ano, dando origem
a novas iniciativas missionárias, mesmo no interior do Brasil, fundando escolas
e colégios. No Rio de Janeiro, em 1582, iniciou a construção da Santa Casa de
Misericórdia, destinada a assistir os doentes e as vítimas das frequentes
epidemias.
Anchieta
foi sempre um religioso profundamente interessado nas pessoas, dando especial
atenção aos pobres e aos doentes – percorria grandes distâncias para visitar
algum enfermo -, mas também aos grupos indígenas ameaçados e aos negros
escravizados. À noite, principalmente, passava longas horas em oração e seu
desejo era levar a todos a luz do Evangelho de Cristo. A educação era parte
integrante de seu trabalho missionário; ele soube respeitar e valorizar os
elementos culturais dos povos originários do Brasil.
Em 1587,
deixando o cargo de superior provincial, respondeu por vários anos, como
reitor, pelo colégio de Vitória. Ali começou a sentir mais fortemente a doença
que o levaria à morte em 9 de junho de 1597, enquanto se encontrava em
Reritiba, uma localidade no Espírito Santo por ele mesmo fundada e que recebeu,
mais tarde, o nome de Anchieta.
Seu corpo
foi levado para Vitória para os solenes funerais, durante os quais ele já
passou a ser reconhecido como o “Apóstolo do Brasil”.
CARDEAL-ARCEBISPO DE
SÃO PAULO
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