terça-feira, 22 de outubro de 2013

Rede de Comunidades




Seg, 21 de Outubro de 2013 14:48 cnbb

Dom Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)

Continuamos a refletir sobre o tema da Paróquia enquanto rede de comunidade ou comunidade de comunidades, assunto que tem sido aprofundado nesse ano na Igreja do Brasil, entre uma Assembleia e outra da CNBB e que, tendo um documento de estudos, se encaminha para que, através do aprofundamento cheguemos a um documento de nossa Conferência Episcopal na próxima Assembleia Geral. O assunto está dentro de uma caminhada de Igreja e, ao mesmo tempo, dentro das preocupações com a missão evangelizadora sempre propalada pelo Papa Francisco.

A forma de ser comunidade dentro da comunidade paroquial sempre foi o questionamento e as muitas vezes, muitos sendo pressionados para uma forma estereotipada como se fosse a única e exclusiva. É sempre importante recordar os laços que devem unir esses grupos, comunidades ou círculos bíblicos dentro de uma Paróquia. A unidade da caminhada é essencial. Essas comunidades não são um “movimento” que se reúne fora da paróquia ou da diocese para formação ou partilha, pois então não seria “rede de comunidades” – elas são a Igreja local presente em todo o território, com seu plano de pastoral, suas necessidades e prioridades.
Creio que ao discutirmos este assunto em nossa Igreja do Brasil urge um passo muito importante com os olhos voltados para o futuro. Muitas vezes o saudosismo de antigas fórmulas impede de sermos ainda mais evangelizadores, formando verdadeiras comunidades de fé. No documento de estudos nº 104 muitas reflexões nos apontam para muitos passos a serem dados. Sem dúvida que são inspirações que dependerão bastante da realidade de cada situação pastoral, geográfica, histórica, social, humana de cada região. Cada Diocese terá seu caminho de unidade com toda a Igreja, mas um caminho que levará em consideração também suas necessidades e seus desafios.
Viver em comunidade é da essência do Evangelho de Jesus. Nossa fé deve ser sempre iluminada pelo exemplo das primeiras comunidades fundadas pelos apóstolos, fundamentadas na comunhão fraterna. "Jesus inicia seu ministério chamando os discípulos para viverem com Ele (cf. Mc. 3,14). Todo o itinerário do discípulo, desde o chamado, é sempre vivido na comunhão com o Mestre, que se desdobra na comunhão com os outros. A dimensão comunitária é fundamental na Igreja, pois se inspira na própria Santíssima Trindade, a perfeita comunidade de amor. Sem comunidade, não há como viver autenticamente a experiência cristã" (cf. Estudos da CNBB -104, n. 42).
"Paulo apóstolo funda, então, comunidades nas cidades mais importantes do Império. Isso implica em entrar na nova organização social que emergia e, assim, modificava o estilo predominantemente rural de ser comunidade a partir da experiência da Palestina. Dessa forma, cresce uma rede de comunidades cristãs urbanas" (cf. Estudos da CNBB - 104, n. 47). "A casa era a estrutura fundamental das igrejas por ele fundadas. A casa era a estrutura básica da sociedade e estava ligada à totalidade da mesma. Trata-se de garantir comunidades onde se encontram relações interpessoais, a comunhão de fé e a participação de todos” (cf. Estudos da CNBB - 104, n. 47).
É interessante que o trabalho de Paulo à época foi instalar comunidades nas grandes cidades – uma presença cristã nas “metrópoles” – sendo fermento no meio da massa. A vida cristã tem muito a dizer para o mundo urbano atual. Eis o desafio destes tempos nos quais a maioria das pessoas migrou para a cidade.
No século IV aparece a estrutura diocesana, com a expansão das comunidades eclesiais urbanas. "As paróquias surgiram, portanto, da expansão missionária da Igreja nos pequenos povoados que rodeavam as cidades. Eram originalmente paróquias rurais, que logo se estenderam pelas cidades devido ao crescimento populacional" (cf. Estudos da CNBB - 104, n. 51). "Nascem de uma preocupação pastoral e missionária. A paróquia, com o tempo, passará a ser essencialmente a Igreja instalada na cidade" (cf. Estudos da CNBB - 104, n. 51). A estrutura paroquial permanece com o Concílio de Trento, que insistiu que o pároco deveria residir na Paróquia, bem como instituiu o critério de territorialidade paroquial e os modelos de ereção de novas paróquias, para dar respostas ao crescimento populacional. Com o advento do Código Canônico atual, a "paróquia é uma comunidade de fiéis, constituída de maneira estável e confiada aos cuidados pastorais do Pároco, como seu pastor próprio" (cf. Código de Direito Canônico, cân. 515). As Paróquias podem, ainda, serem pessoais, em razão de rito, língua ou ambientes.
O Concílio Vaticano II, do qual estamos celebrando o Jubileu de Ouro, que tantos benefícios trouxe para a vida da Igreja, acentuou a figura da Diocese como Igreja Particular. Por isso, a Paróquia, como célula da Diocese, é onde todos os que nela participam fazem a experiência de ser Igreja, com uma multiplicidade de dons, de carismas e de ministérios. "O Concílio reflete sobre a Igreja Particular partindo da Eucaristia e insiste no valor da Igreja reunida em assembleia eucarística. Ela é a fonte e cume de toda a vida cristã, onde se realiza a unidade de todo o Povo de Deus" (Cf. Estudos da CNBB 104 - n. 56). Para o Concílio, a Paróquia só pode ser compreendida à luz da Diocese, ou seja, ela é uma "célula da Diocese". A Paróquia é uma comunidade de fiéis que, de alguma maneira, torna presente a Igreja num determinado lugar ou território, aonde se prolonga a missão de Jesus como comunhão e quer que todos os homens e todas as mulheres participem de sua vida de infinita e eterna comunhão, na liberdade e no amor, vivendo como filhos e filhas. Assim, paróquia é comunhão, primeiro com Deus, no encontro com o Senhor Uno e Trino. Por isso, desde o início, a experiência de fé é, essencialmente, um chamado à comunhão com a Trindade (Cf. GS, n. 24).
Comunhão paroquial que se plenifica na celebração da Santa Missa, "sinal de unidade e vínculo de amor" (cf. Agostinho In: Joann, tr. 26, c. 6. n. 14: PL 35, 1613). "Essa Igreja é sacramento (mysterion), sinal e instrumento de comunhão" (Cf. Estudos da CNBB 104 - n. 62). Assim, a comunidade deve ser profética em um mundo individualista como o nosso. Paróquia como comunidade de comunidades recuperando as relações interpessoais e de comunhão como fundamento para a pertença eclesial.
A Paróquia e suas capelas já são uma realidade em toda a nossa pastoral. Hoje está a urgir que além dessa organização geográfica, às vezes muito bem estruturada, necessitamos de uma presença maior em todo o território paroquial. É quando surgem as redes de comunidades. Sabemos que, além da questão geográfica, temos também outros tipos de organização e de presença através do testemunho pessoal.
A V Conferência Geral de Aparecida considera dois pontos fundamentais: primeiro a multiplicação das comunidades eclesiais menores, e segundo a nova Pastoral Urbana. Diz o documento de Aparecida que as paróquias "São células vivas da Igreja e o lugar privilegiado no qual a história dos fiéis tem uma experiência concreta de Cristo e a comunhão eclesial. São chamados a ser casa e escolas de comunhão” (cf. DAp, n. 170). Tudo isso passa por uma urgente renovação e reformulação das estruturas paroquiais para que sejam rede de comunidades e grupos capazes de propiciar aos seus membros uma real experiência de comunhão com Cristo.
A renovação paroquial passa por uma Paróquia que seja comunidade como centro da vivência cristã. Devemos superar a superestrutura formal e irmos ao encontro dos fiéis. Não podemos ficar aguardando mais. Com a Jornada Mundial da Juventude muitos batizados “sentiram seu coração aquecer” e começaram o caminho de retorno à casa. Foi uma resposta à pergunta que o Papa Francisco fez aos bispos do Brasil em seu discurso no auditório do Edifício João Paulo II: “teria a nossa Igreja ainda a capacidade de aquecer os corações?” Nós constatamos, com a presença do Papa pelas ruas de nossa cidade, que isso ocorreu. E aconteceu também longe, através dos Meios de Comunicação! Cabe a nós sabermos acolher.

É hora de chamar os fiéis para o retorno para casa, para a Igreja e aqui entra a iniciação cristã, e também indo ao encontro das pessoas e formando pequenas comunidades. "É a Igreja que está onde as pessoas se encontram, independentemente dos vínculos do território, de moradia ou de pertença geográfica. É a casa-comunidade onde as pessoas se encontram. A Paróquia como referencial para o cristão peregrino encontrar-se no lar. É uma estação, uma parada no caminho para a pátria definitiva. A Paróquia deve ser a casa da Palavra, que atrai os fiéis pela voz do seu Senhor: a Igreja escuta, acolhe e vive a Palavra. A Paróquia deve ser a casa do Pão do corpo de Cristo, em que a Eucaristia é o centro da nossa fé. A Paróquia deve ser a casa da caridade, aonde os fiéis ouviram o apelo de Jesus: “Já não vos chamo servos”... Eu vos chamo de “amigos” (cf. Jo 15,15). Paróquia como casa de amor, de amizade, de caridade, de preocupar-se com o outro.
Por isso, vamos pensar na renovação da paróquia como mistério da Igreja presente e operante nela. A Paróquia não é só a estrutura, o território, o edifício, mas, sobretudo, a família de Deus que deve ser fraterna, acolhedora, comunidade de fiéis pela presença de Cristo Palavra e Eucaristia, estabelecendo os vínculos de comunhão entre todos e cada um para podermos, acima de tudo, como Cristo Redentor, testemunhar a Caridade na Verdade dos enunciados da fé católica.

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