Dom Eduardo Benes de Sales
Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Introdução
“Nos dias 28 e 29 do mês de junho os presbíteros da
Arquidiocese de Sorocaba com um grupo de leigos(as) catequistas se reuniram
para aprofundar o significado da segunda urgência das Diretrizes Gerais da Ação
Evangelizadora da Igreja no Brasil – DGAE -: “Igreja: casa da iniciação à vida
cristã”. A Carta Apostólica do Papa Bento XVI oferece com precisão o motivo por
que a Igreja deve recolocar no centro de sua programação pastoral a Iniciação
Cristã, como condição “sine qua” de uma presença significativa na vida da
sociedade de nosso tempo. Assim se exprime o Santo Padre: “Sucede não poucas
vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais,
culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um
pressuposto óbvio da sua vida diária.
Ora um tal pressuposto não só deixou de existir,
mas frequentemente acaba até negado. Enquanto, no passado, era possível
reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo
aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é
assim em grandes sectores da sociedade devido a uma profunda crise de fé que
atingiu muitas pessoas. (PF 2). A Cristandade, expressão com a qual se designa
o tempo que, desde os inícios da Idade Média até o séc. XX, no ocidente a
cultura estava impregnada pelos valores e pelas práticas religiosas cristãs,
entrou em dissolução, emergindo uma cultura secularizada, marcada pelo avanço
das ciências e pelo senso de autonomia do sujeito humano sempre mais cioso de
sua liberdade. As reflexões que seguem devem nos motivar no empenho de buscar a
conversão pastoral de nossa Igreja Particular.
O
Concílio Vaticano II
O Concílio Vat. II foi um momento de graça para a
Igreja quando, respondendo à convocação do Papa João XXIII, os bispos de todo o
mundo se colocaram em oração e procuraram, à luz da fé, descortinar caminhos
para responder aos apelos de um mundo em acelerado processo de mudanças sociais
e culturais. Na América latina os desafios que se colocavam para a Igreja
provinham da situação de pobreza da maioria da população oprimida pela miséria
e pela fome. O Concílio nos entregou quatro documentos fundamentais, chamados
Constituições: a) a “Sacrossanctum Concilium”, sobre a Sagrada Liturgia; b) a
“Dei Verbum”, sobre a Revelação Divina: c) a “Lumen Gentium”, sobre a Igreja;
d) a “Gaudium et Spes”, sobre a Igreja no mundo atual. O Concílio quis ser
eminentemente pastoral ocupado em oferecer aos cristãos as indispensáveis
orientações para uma presença evangelizadora no mundo. Para tal retomou, em
formulação nova, os elementos essenciais de nossa fé e procurou explicitar,
sobretudo através dos documentos chamados decretos, os caminhos de renovação da
vida eclesial. Uma avaliação do impacto de cada documento na vida da Igreja e
de seus frutos há de ser feita nesses anos do jubileu do Concílio.
Medellin: a luta pela justiça
Medellin: a luta pela justiça
Nesta reflexão quero ressaltar que, na América
Latina, a recepção do Concílio Vat. II teve decisiva influência na tomada de
posição da Igreja em relação aos graves problemas sociais que afligiam a vida
de nosso povo. A Conferência de Medellin, produziu uma série de documentos,
procurando aplicar na América latina as orientações do Concílio: I)Justiça,
Paz, Família, Demografia, Educação, Juventude. II) Pastoral popular, Pastoral
de elites, Catequese, Liturgia. III) Movimentos de Leigos, Sacerdotes,
Religiosos, Formação do Clero, Pobreza da Igreja, Pastoral de Conjunto, Meios
de Comunicação. O Papa Paulo VI se fez presente e, na ocasião, alertou para a
tentação de recurso à violência como forma de promover a justiça social bem
como à visào marxista da sociedade como ferramenta de interpretação da
história. Os frutos da Conferência de Medellin se traduziram em forte acento na
opção preferencial pelos pobres com a consequente busca de fazer do evangelho
uma força libertadora das opressões por eles sofridas. Nesse contexto as
Comunidades Eclesiais de Base se multiplicaram e ganharam força dentro da
Igreja e da sociedade. A Telogia da Libertação se estruturou nesse contexto e
se tornou para muitos simplesmente a Teologia. Houve teólogos que pensaram
poder reinterpretar todo o conteúdo da revelação tendo como uma espécie de
objeto formal a libertação social dos pobres. Tal pretensão se serviu
posteriormente do enunciado do objetivo geral das Diretrizes Gerais da Ação
(Pastoral) Evangelizadora no Brasil onde sempre de novo foi incluida a opção
preferencial pelos pobres como a luz a iluminar a ação da Igreja: “à luz da
opção preferencial pelos pobres”. Na teologia a luz iluminadora da reflexão
teológica, seu objeto formal é o próprio Deus que se revela em Cristo.
Rigorosamente a opção preferencial pelos pobres não pode ser a luz iluminadora
do fazer teológico, embora deva sempre estar presente uma vez que como nos
lembrou João Paulo II, “se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo,
devemos saber vê-Lo sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis
identificar: « Porque tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de
beber; era peregrino e recolhestes-Me; estava nu e destes-Me de vestir; adoeci
e visitastes-Me; estive na prisão e fostes ter Comigo » (Mt 25,35-36). Esta
página não é um mero convite à caridade, mas uma página de cristologia que
projeta um feixe de luz sobre o mistério de Cristo. Nesta página, não menos do
que o faz com a vertente da ortodoxia, a Igreja mede a sua fidelidade de Esposa
de Cristo”(NMI 49).
Clodovis Boff percebeu com acuidade o risco de uma
teologia que colocasse o pobre como luz do pensar teológico: “não vê que está
aí confundindo dois sentidos de "ponto de partida": como mero começo
(material, temático, cronológico ou ainda prático) e como princípio (formal,
hermenêutico, epistemológico ou ainda teórico). Ora, "pobre" pode ser
"ponto de partida" como "começo" (começo de conversa), mas
não como "princípio" (critério determinante)”. Exageros à parte,
Medellin se constituiu em um momento muito rico de abertura da Igreja, às vezes
excessivamente clerical, para uma participação mais efetiva dos leigos na
missão da Igreja, com especial atenção aos pobres, pensados também como sujeito
principal das grandes mudanças na Igreja e na sociedade. O Concílio convocou a
Igreja a se colocar a serviço do mundo. Na América Latina o grande desafio era
a justiça social. A maioria absoluta de nosso povo era constituida de católicos.
Era urgente investir o capital da fé cristã na transformação da sociedade. A
situação social e política – estávamos em 1968 – cobrava da Igreja posições
firmes contra os regimes de exceção então dominantes e uma ação pastoral que
visasse o engajamento político dos fieis. As CEBs ganharam força e encarnaram o
novo jeito da Igreja ser. As pastorais sociais se multiplicaram. A liturgia e a
catequese passaram a expressar o novo modelo.
Puebla: Comunhão e Participação
O documento de Puebla (ano de 1979), “Evangelização
no Presente e no Futuro da América latina”, fruto da Terceira Conferência Geral
do Episcopado Latino- Americano, significou um passo adiante, com as devidas
correções, na busca de novos caminhos para a evangelização na América latina. A
Exortação Apostólica de Paulo VI “Evangelii Nuntiandi”(ano de1975) e a palavra
de João Paulo II na abertura iluminaram os trabalhos da Terceira Conferência.
João Paulo II foi categórico em afirmar a necessidade de anunciar: a) a verdade
sobre Jesus Cristo, obscurecida por releituras insuficientes e distorcidas do
evangelho; b) a verdade sobre a missão da Igreja; c) a verdade sobre o Homem.
Nesse último ítem abordou a temática da libertação, prevenindo sobre posições
que tendiam a reduzir a libertação cristã a uma libertação puramente temporal,
como já havia advertido Paulo VI na Exortação Apostólica sobre a evangelização
do mundo contemporâneo em 1975. O eixo teológico-pastoral que ilumina o
documento de Puebla é o binômio “Comunhão e Participação”: “Depois da proclamação
de Cristo que nos revela o Pai e nos dá seu Espírito, chegamos a descobrir as
raízes últimas de nossa comunhão e participação, Revela-nos Cristo que a vida
divina, é comunhão trinitária. Pai, Filho e Espírito vivem, em perfeita
inter-comunhão de amor, o mistério supremo da unidade. Daqui procede todo amor
e toda comunhão, para a grandeza e dignidade da existência humana” (DP
211-219). E ainda: “Na América Latina, Deus nos chama para uma vida em Cristo
Jesus. Urge anunciá-la a todos os irmãos. Esta missão incumbe à Igreja
evangelizadora: pregar a conversão, libertar o homem e impulsioná-lo rumo ao
mistério de comunhão com a Trindade e comunhão com todos os irmãos,
transformando-os em agentes e cooperadores do desígnio de Deus.”(DP 563).
Reafirma-se no documento de Puebla a opção preferencial pelos pobres à qual se
acrescenta uma segunda: a opção preferencial pelos jovens. Dentro do horizonte
de “Comunhão e Participação”, tendo a Trindade como fonte e modelo, é que se
desenvolvem as ricas e abrangentes orientações pastorais do documento que
contribuíram de modo significativo para a evangelização de nosso Continente(
Cf. DP 211 a 219). O contexto social e político da América latina, entretanto,
estava ainda muito marcado pela luta ideológica que atingia também a vida da
Igreja, razão pela qual o documento trata da questão das ideologias e procura
retomar o ensinamento de Paulo VI a respeito das relações entre evangelização e
libertação, ressaltando a importância das pequenas comunidades – CEBs – e procurando
definir-lhes sua identidade eclesial.
A doutrina da Segurança Nacional, criticada no
documento de Puebla, justificava a continuidade do regime de exceção com o
consequente atentado à dignidade da pessoa, exigindo da Igreja tomadas de
posição enérgicas no sentido da defesa dos direitos humanos. A teologia da
libertação, em pleno vigor, embora não tivesse conseguido ditar os rumos da
Conferência de Puebla, continuou a exercer forte influência tanto na formação
de presbíteros como de leigos. As Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja
no Brasil, tendo retomado em sua fundamentação teológica a profissão de fé de
Puebla, expressaram, na formulação do objetivo geral, a finalidade do processo
evangelizador assim: “visando à construção de uma sociedade mais justa e
fraterna, anunciando assim o Reino definitivo”. A preocupação com a justiça
social é, pois, colocada em primeiro plano e pela sua procura se dá testemunho
do Reino definitivo que já atua no presente histórico. É necessário observar
que a formulação do objetivo geral nunca consegue traduzir toda a riqueza do
conjunto do documento, permitindo interpretações até mesmo divergentes. O
significado de “EVANGELIZAR”, por ex., não aparece de forma suficientemente
clara em seu enunciado.
O documento de Puebla, à luz da “Evangelii
Nuntiandi”, é de extraordinária riqueza. Ouso afirmar que foi o que melhor
traduziu para a América latina os propósitos do Concílio. Quero, entretanto,
destacar a reflexão nele desenvolvida sobre “Evangelização e Cultura” assim
introduzida: “Nova e valiosa contribuição pastoral da exortação Evangelii
Nuntiandi está no chamado de Paulo VI a que se enfrente a tarefa da
evangelização da cultura e das culturas” (EN 20). Paulo VI havia profetizado:
“A ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa época,
como o foi também de outras épocas. Assim, importa envidar todos os esforços no
sentido de uma generosa evangelização da cultura, ou mais exatamente das
culturas. Estas devem ser regeneradas mediante o impacto da Boa Nova. Mas um
tal encontro não virá a dar-se se a Boa Nova não for proclamada”. Aqui se abriu
um campo novo de reflexão que vai desembocar na Conferência de Santo Domingo
(outubro de 1992). O tempo pós-Puebla significou, com os ensinamentos de João
Paulo II, uma retomada das propostas do Concílio Vat. II, onde a pessoa e o
mistério de Cristo passam a ocupar o centro do empenho evangelizador da Igreja.
A queda do muro de Berlim com o conseqüente colapso do comunismo ajudou a compreender
que a justiça e a fraternidade não renovam as estruturas sociais sem passar
pela mediação da cultura. E não haverá uma cultura verdadeiramente humanizante
sem homens novos. Voltamos a Paulo VI que afirmou: “Evangelizar, para a Igreja,
é levar a Boa Nova a todas as parcelas da humanidade, em qualquer meio e
latitude, e pelo seu influxo transformá-las a partir de dentro e tornar nova a
própria humanidade: "Eis que faço de novo todas as coisas". No
entanto não haverá humanidade nova, se não houver em primeiro lugar homens
novos, pela novidade do batismo e da vida segundo o Evangelho”( EN 18).
Santo Domingo: evangelização da cultura
A Conferência de Santo Domingo concentra a atenção
em Jesus Cristo e afirma com João Paulo II a urgência de uma Nova Evangelização:
“Nova Evangelização, Promoção Humana e Cultura Cristã”. E o anúncio é este:
“Jesus Cristo ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8). ( Ano de 1992). O Papa João
Paulo II insistiu: “A confissão da fé – “Jesus Cristo é sempre o mesmo: ontem,
hoje e sempre” (Hb 13,8) – que é como o pano de fundo do tema desta IV
Conferência, nos leva a recordar o seguinte versículo: “Não vos deixeis seduzir
pela diversidade de doutrinas estranhas” (Hb 13,9). Vós, amados Pastores,
deveis zelar sobretudo pela fé da gente simples que, em caso contrário, se
veria desorientada e confundida”(discurso de João Paulo II). Ainda: “Por outra
parte, os novos tempos exigem que a mensagem cristã chegue ao homem de hoje,
mediante novos métodos de apostolado, e que seja expressada numa linguagem e
forma acessíveis ao homem latino-americano, necessitado de Cristo e sedento do
Evangelho: como tornar acessível, penetrante, válida e profunda a resposta ao
homem de hoje, sem alterar ou modificar em nada o conteúdo da mensagem
evangélica? Como chegar ao coração da cultura que queremos evangelizar? Como
falar de Deus num mundo em que está presente um processo crescente de
secularização?” Houve quem visse em Santo Domingo um retrocesso em relação a
Puebla. Não é verdade. Houve uma concentração no mistério de Cristo e a aguda
percepção de que a insistência na transformação social estava levando a um
descuido com o fundamental da experiência cristã, sem o qual a cultura fica
privada da força transformadora do evangelho. Santo Domingo retoma o que há de
melhor em Medellin e Puebla e procura libertar a prática Pastoral da Igreja na
América latina de uma interpretação equivocada do processo evangelizador que
fazia da transformação social a razão principal da proclamação do evangelho.
Paulo VI já havia advertido sobre tal questão: “Não devemos esconder,
entretanto, que numerosos cristãos, generosos e sensíveis perante os problemas
dramáticos que se apresentam quanto a este ponto da libertação, ao quererem
atuar o empenho da Igreja no esforço de libertação, têm freqüentemente a
tentação de reduzir a sua missão às dimensões de um projeto simplesmente
temporal; os seus objetivos a uma visão antropocêntrica; a salvação, de que ela
é mensageira e sacramento, a um bem-estar material; a sua atividade, a
iniciativas de ordem política ou social esquecendo todas as preocupações
espirituais e religiosas. No entanto, se fosse assim, a Igreja perderia o seu
significado próprio. A sua mensagem de libertação já não teria originalidade
alguma e ficaria prestes a ser monopolizada e manipulada por sistemas
ideológicos e por partidos políticos”(cf. EN 32-38).Essa observação do Santo
Padre, nós a constatamos sempre que nos surpreendemos querendo resolver os
problemas da sociedade, prescindindo da missão primeira da Igreja que é o anúncio
do querigma e a iniciação cristã dos néo-convertidos. Retomo a afirmação de
Bento XVI já citada no início dessa reflexão: “Sucede não poucas vezes que os
cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e
políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto
óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir, mas
frequentemente acaba até negado. Enquanto, no passado, era possível reconhecer
um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos
conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é
assim em grandes sectores da sociedade devido a uma profunda crise de fé que
atingiu muitas pessoas”.(n. 2).
O Pontificado de João Paulo II
Ao deslocar o foco dos desafios à evangelização da
luta social para a cultura, a Igreja retoma com vigor a urgência de anunciar
Jesus Cristo. O Pontificado de João Paulo II foi fortemente marcado pela pessoa
e pelo mistério de Jesus. O Encontro com Cristo e o conseqüente mergulho na
vida trinitária, com suas conseqüências históricas para a Igreja e para a
construção da sociedade, foi tema recorrente no ensinamento do Papa João Paulo
II. Basta percorrer os documentos promulgados durante seu pontificado. Esse foi
seu programa assim anunciado na sua primeira encíclica “Redemptor Hominis”:
“Entretanto, se as vias a seguir, para as quais o Concílio do nosso século
orientou a Igreja, vias que nos indicou na sua primeira Encíclica o saudoso
Papa Paulo VI, continuarem a ser exatamente as vias que nós todos devemos
seguir, então podemos nesta nova fase interrogar-nos: Como? De que maneira será
conveniente prosseguir? O que será necessário fazer, para que este novo advento
da Igreja, conjugado com o já iminente fim do segundo Milênio, nos aproxime
d'Aquele que a Sagrada Escritura chama « Pai perpétuo », Pater futuri saeculi”?
Em seguida: “É precisamente aqui neste ponto, caríssimos Irmãos, Filhos e
Filhas, que se impõe uma resposta fundamental e essencial, a saber: a única orientação
do espírito, a única direção da inteligência, da vontade e do coração para nós
é esta: na direção de Cristo, Redentor do homem; na direção de Cristo, Redentor
do mundo. Para Ele queremos olhar, porque só n'Ele, Filho de Deus, está a
salvação, renovando a afirmação de Pedro: « Para quem iremos nós, Senhor? Tu
tens as palavras de vida eterna ».” O grande tema Exortação pós-sinodal
“Ecclesia in America” foi: “O Encontro com Jesus Cristo vivo, caminho para a
conversão, a comunhão e a solidariedade na América.” A Carta Apostólica NMI,
2001, não é outra coisa senão a reafirmação quase como mensagem final de seu
pontificado, de tudo o que significou seu empenho de Pastor universal: a
contemplação do rosto de Cristo para, partindo dele, em processo permanente de
santificação, testemunhar no novo milênio o amor de Deus.
Aparecida e nossas Diretrizes
O desafio: fazer discípulos
A Conferência de Aparecida propõe-nos exatamente
esse caminho. Fazer discípulos missionários. O discípulo começa, não a partir
de uma idéia, de uma decisão ética, da assimilação de uma doutrina, o discípulo
nasce e cresce no encontro e na convivência com a pessoa de Jesus (cf. DAp 243
e 244). Quando da proposta da temática: “Fazer discípulos e missionários de
Cristo para que nossos povos tenham vida”, o Santo Padre, Bento XVI mandou
colocar um “NELE” - Cristo -, pois Ele é “o caminho, a verdade e a vida”.
Vivemos hoje um momento em que temos muitas pastorais destinadas a responder aos problemas sociais e um número insuficiente de verdadeiros discípulos para assumi-las. A “mudança de época” coloca desafios novos para a Igreja. Donde a necessidade de formar verdadeiros discípulos de Jesus. Nesse sentido as atuais Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil indicam para nós o caminho para tornar realidade as propostas do documento de Aparecida.
Vivemos hoje um momento em que temos muitas pastorais destinadas a responder aos problemas sociais e um número insuficiente de verdadeiros discípulos para assumi-las. A “mudança de época” coloca desafios novos para a Igreja. Donde a necessidade de formar verdadeiros discípulos de Jesus. Nesse sentido as atuais Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil indicam para nós o caminho para tornar realidade as propostas do documento de Aparecida.
Uma Igreja Missionária
Uma Igreja em estado permanente de missão, presente
e atuante no mundo, pressupõe que os batizados, a começar pelos ministros
ordenados, a exemplo do apóstolo Paulo, estejam tomados pelo mistério de
Cristo, vivendo-o na oração, na fração do Pão e na comunhão fraterna, de modo a
poderem repetir com o documento de Aparecida: “conhecer Jesus é o melhor
presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor que
ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa
alegria”(n. 29). Por que e para que retomar com vigor a Iniciação Cristã tendo
como paradigma a forma como ela se construiu nos inícios da vida da Igreja? A
resposta vem da própria realidade eclesial que estamos vivendo. E vem sob a
forma de perguntas: onde está a maioria de nossos católicos, batizados em nossa
Igreja, muitos dos quais fizeram a primeira comunhão, foram crismados e se
casaram ou desejam se casar na Igreja? Qual a porcentagem de católicos que
participa da missa dominical e da vida de nossas comunidades? Dos que
participam da missa aos domingos quantos estão engajados em alguma pastoral ou
movimento da Igreja? Quantos estariam dispostos a esse engajamento se para tal
forem chamados? Qual a influência que exercem na vida da sociedade? Sua
presença gera a cultura da vida? Por que, sobretudo entre os pobres, cresce a
adesão às comunidades pentecostais oriundas do protestantismo? E o mundo da
política? Não é verdade que a maioria de nossos políticos foi batizada pela
Igreja Católica? Quantos católicos entraram na política partidária a partir de
sua experiência eclesial, ou sob a influência da fé, e permanecem fieis, dando
testemunho do evangelho no exercício de sua função pública? E que dizer da
presença católica nas escolas e nas universidades? Paulo VI na “Evangelii
Nuntiandi” já havia levantado perguntas semelhantes: “O que é que é feito, em
nossos dias, daquela energia escondida da Boa Nova, suscetível de impressionar
profundamente a consciência dos homens? Até que ponto e como é que essa força
evangélica está em condições de transformar verdadeiramente o homem deste nosso
século? Quais os métodos que hão de ser seguidos para proclamar o Evangelho de
modo a que a sua potência possa ser eficaz?”(EN n.4). As perguntas poderiam se
multiplicar indefinidamente abordando todo o vasto campo da vida da sociedade e
de suas instituições.
A iniciação cristã
As DGAE dizem assim: “Esta é a razão pela qual
cresce o incentivo à iniciação à vida cristã, ‘grande desafio que questiona a
fundo a maneira como estamos educando na fé e como estamos alimentando a
experiência cristã’. Trata-se, portanto, de ‘desenvolver, em nossas
comunidades, um processo de iniciação à vida cristã que conduza a um encontro
pessoal, cada vez mais profundo com Jesus Cristo’, atitude que deve ser
assumida em todo o continente latino-americano e, portanto, também no Brasil.
Este é um dos mais urgentes sentidos do termo missão em nossos dias. É o desafio
de anunciar Jesus Cristo, recomeçando a partir dele, sem “dar nada como
pressuposto ou descontado”. É preciso ajudar as pessoas a conhecer Jesus
Cristo, fascinar-se por Ele e optar por segui-lo”( n.40). Conhecer Jesus Cristo
sempre mais, mistério inesgotável de graça e de amor. A constatação de que
muitos católicos receberam os sacramentos da iniciação cristã sem terem sido
iniciados de verdade na vivência do evangelho está a pedir um catecumenato
pós-batismal, ou seja, uma iniciação existencial à vida da Igreja, começando
pelo querigma e passando pelo processo de catequese onde os fundamentos da fé e
a experiência do encontro com Cristo na Liturgia se tornem o Pão de cada dia,
conduzindo a uma autêntica vida de comunidade e de presença no mundo. O documento
de Aparecida mudou o foco da ação evangelizadora: trata-se de anunciar Jesus
Cristo para fazer discípulos, sem o que não teremos nem inculturação, nem mais
vida, nem transformação social rumo ao reino definitivo. As novas Diretrizes da
Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil são o belo fruto de todo um caminho que
vem sendo feito pela Igreja no pós-concílio. Longe de afastar a Igreja da
história e do compromisso com os pobres, a evangelização, tal como vem
formulada nas atuais diretrizes, aumentará em qualidade e número os discípulos,
verdadeiros missionários no coração do mundo. Quanto mais profundamente o fiel
mergulha no mistério da comunhão eclesial, tanto mais sua presença no mundo é
fonte de vida para os irmãos: “A construção da cidadania, no sentido mais
amplo, e a construção de eclesialidade nos leigos, é um só e único
movimento”(DAp 215).
Igreja, comunhão missionária
A Eclesiologia de Comunhão é, no entender de João
Paulo II, a que melhor traduz os ensinamentos do Vat. II sobre a Igreja. Na
Assembléia Extraordinária do Sínodo dos Bispos em 1985, em que foi avaliada a
recepção do Concílio, João Paulo II ressaltou: “de modo particular neste Sínodo
foi examinada a natureza da Igreja, enquanto é mistério e comunhão, isto é,
koinonia” (n. 6). Em 1988, na Christifideles laici, exortação pós-sinodal sobre
os fieis leigos - o sínodo se deu em 1987 -, João Paulo II retoma o ensinamento
do Sínodo de 1985: “A eclesiologia da comunhão é a idéia central e fundamental
nos documentos do Concílio: “A Koinonia-comunhão, fundada na Sagrada Escritura,
é tida em grande honra na Igreja antiga e nas Igrejas orientais até aos nossos
dias. Por isso, muito se tem feito desde o Concílio Vaticano II para que a
Igreja como comunhão seja entendida de maneira mais clara e traduzida de modo
mais concreto na vida. Que significa a complexa palavra ‘comunhão’? Trata-se
fundamentalmente de comunhão com Deus por Jesus Cristo no Espírito Santo”(n.
19).
A Eclesiologia de Comunhão implica necessariamente a dimensão missionária: “Ora, a comunhão gera comunhão e reveste essencialmente a forma de comunhão missionária. Jesus, de fato, diz aos Seus discípulos: « Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi e vos constituí para irdes e dardes fruto e para que o vosso fruto permaneça » (Jo 15, 16). A comunhão e a missão estão profundamente ligadas entre si, compenetram-se e integram-se mutuamente, ao ponto da comunhão representar a fonte e, simultaneamente, o fruto da missão: a comunhão é missionária e a missão é para a comunhão”(32). O documento de Aparecida assume decididamente essa compreensão no seu capítulo V, onde descreve “a comunhão dos discípulos missionários na Igreja”.
A Eclesiologia de Comunhão implica necessariamente a dimensão missionária: “Ora, a comunhão gera comunhão e reveste essencialmente a forma de comunhão missionária. Jesus, de fato, diz aos Seus discípulos: « Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi e vos constituí para irdes e dardes fruto e para que o vosso fruto permaneça » (Jo 15, 16). A comunhão e a missão estão profundamente ligadas entre si, compenetram-se e integram-se mutuamente, ao ponto da comunhão representar a fonte e, simultaneamente, o fruto da missão: a comunhão é missionária e a missão é para a comunhão”(32). O documento de Aparecida assume decididamente essa compreensão no seu capítulo V, onde descreve “a comunhão dos discípulos missionários na Igreja”.
O círculo virtuoso das urgências
Nossas atuais Diretrizes da Ação Evangelizadora
condensam de maneira objetiva aquilo que é a missão essencial da Igreja,
colocando nas urgências os passos do processo evangelizador, que devem ser
pensados como formando um círculo virtuoso: missão-anúncio, iniciação (inserção
na comunhão eclesial), comunidades concretas (visibilização da comunhão) e
missão-serviço à vida plena (testemunho acompanhado do anúncio explícito).
Tocadas pelo testemunho e pelo anúncio querigmático haverá outras pessoas que
passarão pelo processo de iniciação, e, inseridas na comunidade, se tornarão por
sua vez discípulas e testemunhas a serviço da vida plena. O processo integral é
alimentado pela Palavra, que deve animar toda a vida da Igreja. Aqui não se
trata de prioridades, trata-se da Prioridade, ou seja, da tarefa essencial da
Igreja. A urgência de implantar esse processo na prática da Igreja é, sem
dúvida, um apelo do Espírito. Imaginemos uma Paróquia em que um grupo de
pessoas, já participantes da vida da Igreja, refaçam a experiência do encontro
com Cristo pela acolhida do querigma, “fio condutor de um processo que culmina
na maturidade do discípulo de Cristo”( DAp 278) e que, em razão dessa
experiência se disponha a formar uma pequena comunidade de vida, que se reúne
periodicamente para orar, aprofundar o conhecimento da fé e partilhar as experiências
de vida. Imaginemos os membros dessa comunidade assumindo a tarefa da visitação
mensal em um determinado setor da paróquia, em espírito de solidariedade e com
a disposição de oportunamente anunciar Jesus. Imaginemos que muitas, ou algumas
pessoas, se interessem pela vida cristã e se disponham a viver a mesma
experiência, formando assim uma nova pequena comunidade que faça a experiência
da comunhão eclesial e cujos membros comecem em outro setor da paróquia a
visitação missionária. Imaginemos esse processo caminhando lenta e firmemente,
superando os inevitáveis obstáculos que se colocam no caminho dos operários do
Reino, e, então poderemos sonhar com a construção de uma Igreja de discípulos
missionários, comunidade de comunidades, a serviço da vida plena, para a glória
de Deus e a salvação do mundo. Esse é o caminho proposto pelo documento de
Aparecida e pelas nossas Diretrizes da Ação Evangelizadora.
O Sínodo para a Nova Evangelização e o Ano da Fé
O Sínodo sobre a Nova Evangelização – a transmissão
da Fé – e o Ano da Fé, proclamado pelo “Motu Proprio Porta Fidei”, insistem no
mesmo tema. A razão dessa retomada vem assim expressa em texto acima citado e
que proponho de novo no final dessas reflexões: “Sucede não poucas vezes que os
cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e
políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto
óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir, mas
frequentemente acaba até negado. Enquanto, no passado, era possível reconhecer
um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos
conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é
assim em grandes sectores da sociedade devido a uma profunda crise de fé que
atingiu muitas pessoas”(n. 2).
Conclusão
A Igreja de Sorocaba quer responder ao aos apelos
de Deus, por isso ora ao Senhor:
“Senhor Jesus, conhecer-te é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; encontrar-te foi o melhor que aconteceu em nossas vidas; tornar-te conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria (DAp 29). Faze, Senhor, que pela ação do Espírito Santo, a tua Verdade seja nossa Vida e que anunciar-te e te fazer conhecido seja de fato nossa alegria. Nossa Senhora da Ponte, fica conosco e contagia-nos com o amor de teu Filho, para que sejamos também comunidade missionária, sinal desse amor para nossos irmãos e irmãs de humanidade, aqui nesse chão de Sorocaba, que nasceu e cresceu sob tua proteção! Amém.”
“Senhor Jesus, conhecer-te é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; encontrar-te foi o melhor que aconteceu em nossas vidas; tornar-te conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria (DAp 29). Faze, Senhor, que pela ação do Espírito Santo, a tua Verdade seja nossa Vida e que anunciar-te e te fazer conhecido seja de fato nossa alegria. Nossa Senhora da Ponte, fica conosco e contagia-nos com o amor de teu Filho, para que sejamos também comunidade missionária, sinal desse amor para nossos irmãos e irmãs de humanidade, aqui nesse chão de Sorocaba, que nasceu e cresceu sob tua proteção! Amém.”
Observação final: a presente reflexão foi feita
antes da renúncia de Bento XVI e da eleição do papa Francisco. Quando de sua
eleição publiquei a seguinte reflexão: Temos um Papa Jesuíta - guerreiro como
Inácio - com a simplicidade de Francisco de Assis. Não era o Papa previsto pelos
vaticanistas, mas com certeza sua escolha se deu em clima de oração e pelas
preces de toda a Igreja. Um papa latino-americano, Argentino, jesuíta, cheio do
espírito inaciano, mas, ao mesmo tempo, amante da pobreza, característica de
Francisco de Assis. Seu nome Francisco nos faz lembrar também o dinamismo
missionário de São Francisco Xavier. Carrega no coração toda a América Latina,
e haverá de levar para o mundo todo o vigor e a luz dos documentos do CELAM,
sobretudo do documento de Aparecida. A América Latina está convocada a
intensificar seu espírito missionário.” É cedo para avaliar o pontificado do
Papa Francisco. Mas aqui e acolá surgem interpretações distorcidas sobre a
significado dos últimos papas a partir de João XXIII, Alguns chegam a afirmar
que o Papa Francisco significa a retomada da proposta de João XXIII,
considerando os papas intermediários como infiéis aos ideais do Concílio
Vaticano II. Esta é uma leitura falaciosa que não honra a fé na ação do
Espírito Santo na caminhada da Igreja. Alguém definiu assim os três últimos
pontífices: João Paulo II: “É nisso que cremos”; Bento XVI: “É por isso que
cremos”; Francisco; “Agora vai e vive isso”. É uma forma de dizer que cada um
dos papas do pós-concílio deu sua contribuição para o acerto de nossos passos
na evangelização de nosso mundo.
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