Sex, 23 de Novembro de 2012 09:42 por: cnbb
Dom Redovino Rizzardo
Bispo de Dourados (MS)
Bispo de Dourados (MS)
O título se refere a uma lenda muito
difundida na Europa medieval, relacionada com um personagem criado pelas
tradições orais da cristandade primitiva. Nela, se narrava que Assuero,
contemporâneo de Jesus, residia em Jerusalém e exercia a profissão de
sapateiro. Sua loja ficava na rua que levava ao Monte Calvário, para onde se
dirigiam os condenados à morte por crucificação...
Na manhã de uma sexta-feira, quem
passou diante de sua oficina foi Jesus. Alquebrado pelo peso da cruz, ele caiu
e ficou estirado no chão. Dirigindo seu rosto ensanguentado para Assuero,
pediu-lhe um copo de água. Mas o que recebeu, foi um pontapé e uma imprecação:
«Vá para frente, seu condenado! Você não pode parar!». Com um olhar de
serenidade e compaixão, Jesus lhe respondeu: «Assuero, o meu peregrinar está para terminar. O seu, porém, se
prolongará até a minha volta, no final dos tempos!».
Foi assim que o “judeu errante” iniciou
a sua longa trajetória, percorrendo sem parar povoados e ambientes, assumindo
os semblantes de todas as raças, numa busca inútil de acolhida e de piedade, que
jamais encontrará, por tê-las negado a Jesus.
Na lenda do “judeu errante” está
escondido o retrato do homem. Sua sede de felicidade é infinita. É ela que o
torna mesquinho ou grande, livre ou escravo. É um molde que precisa ser
ocupado, um vazio que busca ser preenchido, um desejo que brota de uma carência
que só encontra plenitude em Deus.
O povo de antigamente – no tempo em que
a experiência se transformava em sabedoria – cunhou um provérbio para definir
os conflitos existenciais: “Saco vazio não para de pé!”. Só fica erguido se
está cheio. Mas, cuidado: o que lhe dá firmeza é o conteúdo. Quanto mais
sólido, maior a estabilidade! Mais ou menos como acontece com as árvores:
somente as que têm raízes profundas enfrentam as tempestades de copa erguida.
As demais racham e caem ao soprar de uma aragem...
Foi o que entenderam os dependentes
químicos em recuperação na Fazenda da Esperança: eles inventaram e colocaram à
disposição do público um boneco de metal, denominado “homem novo”. Ele só
consegue ficar em pé quando lhe é colocado em seus braços estendidos o
Evangelho, aberto numa página que fala de per si: «Quem ouve as minhas palavras e as põe em prática é uma pessoa sensata,
que constrói a sua casa sobre a rocha» (Mt 7,24). Tirando-lhe a luz e a
força que brotam da Palavra de Deus, ele perde o equilíbrio e vai para o chão.
O homem não pode esquecer que é imagem
de um Deus/Trindade e pretender partir para opções que apaguem o amor – sem o
qual ninguém se torna pessoa – ou o substituam por ídolos que nada conseguem
senão esvaziá-lo, como são o ter, o prazer e o poder. Quando isso acontece,
instaura-se nele um círculo vicioso. É impossível saciar o espírito
satisfazendo as emoções e os instintos! Pelo medo de perder o que pensa possuir
ou de não conseguir o que lhe parece indispensável, ele é empurrado para a
ansiedade e, daí, para a depressão e o suicídio.
No fundo, é a estória do judeu errante
que se repete. O caminho que leva à liberdade interior é diferente. Ele foi
resumido por Jesus nestas palavras: «Quem quer salvar a
sua vida, vai perdê-la; e quem a perde por causa de mim, a encontrará» (Mt 10,39). Sair de
si mesmo, deixar de lado os apegos e preconceitos para estabelecer relações
baseadas na gratuidade e na verdade: eis a estrada a ser seguida por quem não
quer repetir o equívoco de Assuero. Ao se fechar diante da situação dolorosa de
Jesus, negando-lhe o apoio solicitado, ele iniciou uma jornada sem volta.
Para o povo nômade da Bíblia, o homem é
um migrante em viagem rumo à pátria: «Diante de ti, Senhor,
sou apenas um peregrino e um forasteiro, como todos os meus antepassados» (Sl 39,13).
Contudo, diferentemente do que aconteceu com o judeu errante, a passagem do
cristão pelas estradas do mundo é fonte de graças para quantos têm a alegria de
se encontrarem em seu caminho: «Felizes as pessoas
que encontram em ti a sua força e decidem no seu coração fazer da vida uma
santa viagem! Quando atravessam vales áridos, elas os transformam num
manancial. Seu vigor cresce à medida que caminham, até se encontrarem com Deus,
em Sião» (Sl 84,6-8). É caminhando que se abrem horizontes e se fortalece a
esperança!
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