* As comunidades, seguirão roteiros de acordo com a realidade de cada Paroquia, celebrando assim a Solenidade de Cristo Rei.
Solenidade de Cristo Rei do Universo
A Igreja chega, enfim, ao término de mais um ano
litúrgico. Neste domingo, Solenidade de Cristo Rei do Universo, os fiéis são
chamados a reconhecer o reinado de Deus sobre todos os povos e nações. A data
também coincide com o encerramento do Ano da fé convocado por Bento XVI, a fim
de recordar os 50 anos do Concílio Vaticano II e os 20 anos do Catecismo da
Igreja Católica.
A Solenidade de Cristo Rei do Universo é relativamente
recente.
Foi Pio XI, na primeira encíclica de seu pontificado, quem a estabeleceu,
em 1925. Na Quas Primas, o Santo Padre almejava recordar o senhorio de Jesus
sobre todos os reinados, governos e instituições. Via isso como tarefa urgente,
dada a crescente rejeição dos ensinamentos da Igreja por parte dos homens,
retirando Jesus Cristo e sua lei sacrossanta tanto da vida particular quanto da
vida pública. "Baldado era esperar paz duradoura entre os povos -
ditava o Papa -, enquanto os indivíduos e as nações se recusassem a reconhecer
e proclamar a Soberania de Nosso Senhor Jesus Cristo"01.
Já naquela época, o Santo Padre enxergava com preocupação
o avanço do pensamento laicista, que, reivindicando uma pretensa neutralidade
do Estado em assuntos religiosos, joga para escanteio os ensinamentos do
Sagrado Magistério, sobretudo no que diz respeito à moral e à dignidade da
pessoa humana. Essa realidade, infelizmente, é ainda hoje observável em uma
centena de ações contrárias à fé cristã, quer no âmbito público, quer no âmbito
privado.
O princípio laicista se resume na ideia de que a religião
seria um assunto da esfera privada, não sendo, portanto, possível respaldá-la
nos debates públicos. Com efeito, as discussões concernentes a temas como
aborto, casamento gay, eutanásia e etc não deveriam levar em conta a moral
cristã; a razão seria o suficiente para o discernimento dessas questões.
Ocorre que, no decorrer da história, comprovou-se
cabalmente que a neutralidade do Estado em assuntos religiosos é não somente
absurda como também impraticável. Quando governos renegam a lei natural de
Deus, assumindo o princípio da maioria como juízo universal dos costumes, o
Estado acaba por se constituir em uma nova divindade. Isso aconteceu todas as
vezes em que as autoridades quiseram banir a religião do coração dos povos.
Não por acaso essa confusão entre o que é de César e o
que é de Deus foi causa de perseguições aos cristãos desde o princípio, quando
estes se recusavam a prestar culto à pessoa do imperador. O cristianismo nunca
aceitou servir de plataforma para estratégias políticas. E por isso mesmo
viu-se constrangido por dezenas de autoridades, ao longo desses dois mil anos
de história, que desejavam instrumentalizá-lo em seus programas de governo.
O Papa Pio XII, a fim de dirimir a inquietação suscitada
pela Solenidade de Cristo Rei do Universo, esclareceu, em 1958, que a "legítima
e sadia laicidade do Estado" é "um dos princípios da doutrina
católica" e que, sendo assim, tributar a Cristo os seus direitos
de realeza não fere, de forma alguma, essa laicidade, já que o Estado não está
isento de suas obrigações para com Deus quando se trata da lei natural02. Até porque a
mistura entre o sagrado e o profano torna-se realidade justamente quando essas
autoridades se afastam da Igreja.
A Igreja procurou aprofundar esse ensinamento de Pio XII
sobre a "legítima e sadia laicidade do Estado" durante a confecção da
Constituição Pastoral Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II. Nela,
os Padres Conciliares afirmam que "se por autonomia das realidades
terrenas se entende que as coisas criadas e as próprias sociedades têm leis e
valores próprios, que o homem irá gradualmente descobrindo, utilizando e
organizando, é perfeitamente legítimo exigir tal autonomia"03. Porém, adverte o
Concílio, "se com as palavras «autonomia das realidades temporais»
se entende que as criaturas não dependem de Deus e que o homem pode usar delas
sem as ordenar ao Criador, ninguém que acredite em Deus deixa de ver a
falsidade de tais assertos".
Refletindo sobre essas palavras do Concílio juntamente
com um grupo de juristas italianos, Bento XVI ressaltou que "compete
a todos os fiéis, de forma especial aos crentes em Cristo, contribuir para
elaborar um conceito de laicidade que, por um lado, reconheça a Deus e à sua
lei moral, a Cristo e à sua Igreja o lugar que lhes cabe na vida humana
individual e social e, por outro, afirme e respeite a "legítima autonomia
das realidades terrestres"04 tal qual define o
Magistério Conciliar. Reconhecer Cristo como Rei do Universo, por conseguinte,
é também a única maneira de assegurar a autonomia da esfera pública, aplicando
a máxima do "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".
E no que consiste esse reinado de Cristo sobre os povos?
É o que vem nos recordar o Evangelho deste domingo. Ao contrário dos governos
que assumem o lugar de Deus, banindo a religião da sociedade e constituindo-se
em verdadeiros ditadores, a realeza de Cristo se apresenta sob a forma de
serviço. Ele reina do alto da Cruz. Não subjuga a humanidade debaixo de sua
coroa, mas a torna livre pelo sacrifício no madeiro. O Reinado Social de Cristo
consiste, dessa maneira, na atitude do crucificado: dar-se inteiramente; amar
até as últimas consequências.
Que nesta Solenidade possamos olhar para Cristo e, a
exemplo do bom ladrão, reconhecê-lo em sua realeza e dizer: "Jesus,
lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado". (Cf. Lc 23,
42)
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