Quando penso no Vaticano II, a primeira coisa que me vem à
mente e ao coração são as frases iniciais da Constituição Pastoral Gaudium et
Spes, sobre a Igreja e o mundo de hoje.
É um documento que começa assim:
“As alegrias e as
esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos
pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as
tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada
verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração.”
E o primeiro número
desse documento se completa dizendo: “...
a comunidade cristã se sente verdadeiramente solidária com o gênero humano e
sua história.”
O Concílio está falando de uma solidariedade total, sem
exclusões. Está vendo a Igreja interessada em toda a família humana, não como
um grupo que cuida só dos seus. É uma Igreja totalmente a serviço, envolta numa
grande comunhão com as necessidades de todos os filhos de Deus. Isso pode não
parecer uma declaração especificamente ecumênica, mas combina muito com o
próprio significado da palavra “oikoumene”, que significa casa habitada, a casa
planetária de todos nós. Se todos os cristãos estiverem de fato solidários
diante das alegrias e esperanças, tristezas e angústias de todos os filhos de
Deus, vão perceber mais depressa que os discípulos de Cristo precisam estar
unidos porque esse é um programa de trabalho missionário que, além de ser amplo
demais para cada Igreja realizar sozinha, está acima das nossas diferenças
doutrinárias.
O mesmo documento, lá pelo número 22, vai falar da luta
contra o mal como uma necessidade do cristão que, associado ao mistério pascal,
chegará à ressurreição, grande vitória da vida. Mas aí faz questão de
acrescentar algo que seria ainda hoje novidade para muitos católicos:
“Isso vale não
somente para os cristãos, mas também para todos os homens de boa vontade em
cujos corações a graça opera de modo invisível. Com efeito, tendo Cristo morrido
por todos e sendo uma só a vocação última do homem, isto é divina, devemos
admitir que o Espírito Santo oferece
a todos a possibilidade de se associarem, de modo conhecido por Deus, a esse
mistério pascal.”
Ao comunicar tais afirmações , a catequese estaria ajudando
bastante a Igreja a ter uma imagem bem mais atraente para os de fora e mais
mobilizadora para a prática da caridade entre os de dentro. Além disso, daria
um grande consolo às famílias que têm , entre seus membros mais amados, pessoas
que não se identificam como cristãos.
Alguém poderia dizer: isso não seria um estímulo a deixar
tudo como está, sem maiores envolvimentos no trabalho missionário que quer
formar novos discípulos de Cristo? Nenhum reconhecimento da presença implícita
e ainda não reconhecida da graça de Deus na vida de uma pessoa nos dispensa de
oferecer a ela o maior presente que uma pessoa pode acolher: a descoberta desse
amor imenso demonstrado pela vida e morte de Jesus, a riqueza da mensagem do
evangelho, destinada a nos impulsionar na construção de um mundo novo. Mas
olhar para o outro como alguém que já tem em seu coração a graça operando de
maneira invisível vai dar um tom diferente ao nosso diálogo com essa pessoa.
Isso nos coloca num caminho de acolhimento, sem o qual qualquer anúncio do
evangelho tem muita chance de ser mal recebido.
A catequese formará evangelizadores muito mais convincentes
se os educar nesse espírito de sensibilidade para as situações que as pessoas
vivem e para essa presença, muitas vezes ainda não percebida, da graça de Deus
na vida de quem já está atraído para o bem mas ainda não se identificou como
cristão.
Therezinha Cruz
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