Ter, 24
de Setembro de 2013 11:49 / Atualizado - Ter, 24 de Setembro de 2013 12:00 por:
cnbb
A
primeira mensagem do papa Francisco para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado,
a ser celebrado em 19 de janeiro de 2014, intitula-se: “Migrantes e refugiados:
rumo a um mundo melhor”. Em 2014, o Dia Mundial do Migrante e Refugiado
celebrará sua centésima edição. A data foi criada pelo papa Pio X, em 1914. O
foi texto apresentado hoje, 24, pelo presidente do Pontifício Conselho da
Pastoral para os Migrantes e Itinerantes, cardeal Antônio Maria Vegliò.
Segue, na íntegra, a 100ª Mensagem para o Dia
Mundial do Migrante e Refugiado.
MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO
PARA O DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO (2014)
PARA O DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO (2014)
“Migrantes e refugiados: rumo a um mundo melhor”
Queridos
irmãos e irmãs!
As nossas sociedades estão enfrentando, como nunca
antes na história, processos de interdependência mútua e interação em um nível
global, que, mesmo incluindo elementos problemáticos ou negativos, se destinam
a melhorar as condições de vida da família humana, não só nos aspectos
econômicos, mas também nos aspectos políticos e culturais. Cada pessoa, afinal,
pertence à humanidade e partilha a esperança de um futuro melhor com toda a
família dos povos. A partir dessa constatação, nasce o tema que escolhi para o
Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados deste ano: “Os migrantes e refugiados:
rumo a um mundo melhor”.
Entre os resultados das mudanças modernas, o
fenômeno crescente da mobilidade humana emerge como um “sinal dos tempos”, como
o definiu o Papa Bento XVI (cf. Mensagem para o Dia Mundial do migrante e do
refugiado de 2006). Se por um lado, as migrações muitas vezes denunciam
fragilidades e lacunas nos Estados e na Comunidade internacional, por outro,
revelam a aspiração da humanidade de viver a unidade, no respeito às
diferenças; de viver o acolhimento e a hospitalidade, que permitem a partilha
equitativa dos bens da terra; de viver a proteção e a promoção da dignidade
humana e da centralidade de cada ser humano.
Do ponto de vista cristão, como em outras
realidades humanas também nos fenômenos migratórios se observa a tensão entre a
beleza da criação, marcada pela Graça e pela Redenção, e o mistério do pecado.
A solidariedade e o acolhimento, os gestos fraternos e de compreensão, veem-se
contrapostos à rejeição, discriminação, aos tráficos de exploração, de dor e de
morte. Um motivo de preocupação são, principalmente, as situações em que a migração
não só é forçada, mas também realizada através de várias modalidades de tráfico
humano e de escravidão. O “trabalho escravo” é hoje uma moeda corrente! No
entanto, apesar dos problemas, dos riscos e das dificuldades que devem ser
enfrentados, aquilo que anima muitos migrantes e refugiados é o binômio
confiança e esperança: eles trazem em seus corações o desejo de um futuro
melhor não só para si mesmos, mas também para as suas famílias e para os entes
queridos.
O que significa a criação de um “mundo melhor”?
Esta expressão não se refere ingenuamente a conceitos abstratos ou a realidades
inatingíveis, mas se dirige à busca de um desenvolvimento autêntico e integral,
para poder agir de tal modo que haja condições de vida digna para todos, para
que se encontrem respostas justas às necessidades dos indivíduos e das
famílias, para que seja respeitada, preservada e cultivada a criação que Deus
nos deu. O Venerável Papa Paulo VI descrevia com estas palavras as aspirações
dos homens de hoje: «ser liberado da pobreza, ter garantido de um modo seguro o
próprio sustento, a saúde, o emprego estável, ter uma maior participação nas
responsabilidades, fora de qualquer opressão e ao protegido de condições que
ofendem a dignidade humana; poder desfrutar de uma educação melhor; em uma
palavra, fazer conhecer e ter mais, para ser mais "(Encíclica Populorum
Progressio, 26 de março de 1967, n. 6).
O nosso coração quer um “mais” que não seja
simplesmente conhecer mais ou ter mais, mas que seja essencialmente um ser
mais. Não se pode reduzir o desenvolvimento a um mero crescimento econômico,
alcançado, muitas vezes, sem tem em conta os mais fracos e indefesos. O mundo
só pode melhorar se a atenção é dirigida, em primeiro lugar, à pessoa; se a
promoção da pessoa é integral, em todas as suas dimensões, inclusive a
espiritual; se não se deixa ninguém de lado, incluindo os pobres, os doentes,
os encarcerados, os necessitados, os estrangeiros (cf. Mt 25, 31-46); caso se
passe de uma cultura do descartável para uma cultura do encontro e do
acolhimento.
Os migrantes e refugiados não são peões no
tabuleiro de xadrez da humanidade. Trata-se de crianças, mulheres e homens que
deixam ou são forçados a abandonar suas casas por vários motivos, que
compartilham o mesmo desejo legítimo de conhecer, de ter, mas, acima de tudo,
de ser mais. É impressionante o número de pessoas que migram de um continente
para outro, bem como aqueles que se deslocam dentro de seus próprios países e
áreas geográficas. Os fluxos migratórios contemporâneos são o maior movimento
de pessoas, se não de povos, de todos os tempos. No caminho, ao lado dos
migrantes e refugiados, a Igreja se esforça para compreender as causas que
estão na origem das migrações, mas também se esforça no trabalho para superar
os efeitos negativos e aumentar os impactos positivos nas comunidades de
origem, de trânsito e de destino dos fluxos migratórios.
Infelizmente, enquanto incentivamos o
desenvolvimento em vista de um mundo melhor, não podemos silenciar o escândalo
da pobreza nas suas várias dimensões. Violência, exploração, discriminação,
marginalização, abordagens restritivas às liberdades fundamentais, tanto para o
indivíduo quanto para grupos, são alguns dos principais elementos da pobreza
que devem ser superados. Muitas vezes, são justamente esses aspectos que
caracterizam os movimentos migratórios, ligando migração e pobreza. Fugindo de
situações de miséria ou de perseguição em vista de melhores perspectivas ou
para salvar a sua vida, milhões de pessoas embarcam no caminho da migração e, enquanto
esperam encontrar a satisfação das expectativas, muitas vezes o que encontram é
suspeita, fechamento e exclusão; quando não são golpeados por outros
infortúnios, muitas vezes, mais graves e que ferem a sua dignidade humana.
A realidade das migrações, com as dimensões que
assume na nossa época de globalização, precisa ser tratada e gerida de uma
maneira nova, justa e eficaz, o que exige, acima de tudo, uma cooperação
internacional e um espírito de profunda solidariedade e compaixão. É importante
a colaboração em vários níveis, com a adoção unânime de instrumentos de
regulamentação para proteger e promover a pessoa humana. O Papa Bento XVI nos
traçou as coordenadas, afirmando que «esta política há de ser desenvolvida a
partir de uma estreita colaboração entre os países donde partem os emigrantes e
os países de chegada; há de ser acompanhada por adequadas normativas
internacionais capazes de harmonizar os diversos sistemas legislativos, na
perspectiva de salvaguardar as exigências e os direitos das pessoas e das
famílias emigradas e, ao mesmo tempo, os das sociedades de chegada dos próprios
emigrantes» (Carta Encíclica Caritas in veritate, 19 de Junho de 2009, 62).
Trabalhar juntos por um mundo melhor requer a ajuda mútua entre os países, com
abertura e confiança, sem levantar barreiras intransponíveis. Uma boa sinergia
pode ser um incentivo para os governantes enfrentarem os desequilíbrios
socioeconômicos e uma globalização sem regras, que se encontram entre as causas
das migrações em que as pessoas são mais vítimas do que protagonistas. Nenhum
país pode enfrentar sozinho as dificuldades associadas a esse fenômeno que,
sendo tão amplo, já afeta todos os Continentes com o seu duplo movimento de
imigração e emigração.
É também importante ressaltar como essa colaboração
já começa com o esforço que cada país deveria fazer para criar melhores
condições econômicas e sociais no seu próprio território, para que a emigração
não seja a única opção para aqueles que buscam a paz, a justiça, a segurança e
o pleno respeito da dignidade humana. Criar oportunidades de emprego nas
economias locais impediria, para além do mais, a separação das famílias e
garantiria condições de estabilidade e de serenidade para os indivíduos e
comunidades.
Finalmente, olhando para a realidade dos migrantes
e refugiados, há um terceiro elemento que eu gostaria de destacar neste caminho
de construção de um mundo melhor: a superação de preconceitos e de
pré-compreensões, ao considerar a migração. De fato, não é raro que a chegada
de migrantes, prófugos, requerentes de asilo e refugiados desperte desconfiança
e hostilidade nas populações locais. Surge o medo que se produzam perturbações
na segurança social, que se corra o risco de perder a identidade e a cultura,
que se alimente a concorrência no mercado de trabalho ou, ainda, que se
introduzam novos fatores de criminalidade. Os meios de comunicação social,
neste campo, têm um papel de grande responsabilidade: cabe a eles, de fato,
desmascarar estereótipos e fornecer informações corretas, o que significará
denunciar o erro de alguns, mas também descrever a honestidade, a retidão e a
magnanimidade da maioria. Para isso, é preciso que todos mudem a atitude em
relação aos migrantes e refugiados; é necessário passar de uma atitude de
defesa e de medo, de desinteresse ou de marginalização - que, no final,
corresponde precisamente à “cultura do descartável” – para uma atitude que tem
por base a “cultura do encontro”, a única capaz de construir um mundo mais
justo e fraterno, um mundo melhor. Os meios de comunicação também são chamados
a entrar nesta “conversão de atitudes” e a incentivar esta mudança de
comportamento em relação aos imigrantes e refugiados.
Penso como também a Sagrada Família de Nazaré teve
que viver a experiência de rejeição no início do seu caminho: Maria «deu à luz
o seu filho primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura,
porque não havia lugar na hospedaria» (Lc 2,7). Além disso, Jesus, Maria e José
experimentaram o que significa deixar sua terra natal e ser migrantes: ameaçados
pela sede de poder de Herodes, foram forçados a fugir e buscar refúgio no Egito
(cf. Mt 2,13-14). Mas o coração materno de Maria e o coração zeloso de José,
Protetor da Sagrada Família, sempre mantiveram a confiança de que Deus nunca
abandona. Pela intercessão deles possa ser sempre firme no coração do migrante
e do refugiado esta mesma certeza.
A Igreja, respondendo ao mandato de Cristo: «Ide e
fazei discípulos entre todos as nações», é chamada a ser o Povo de Deus que
abraça todos os povos, e leva a todos os povos o anúncio do Evangelho, pois no
rosto de cada pessoa está estampado o rosto de Cristo! Eis a raiz mais profunda
da dignidade do ser humano que deve ser sempre respeitada e protegida. Não são
os critérios de eficiência, produtividade, de classe social, de pertença étnica
ou religiosa que fundamentam a dignidade da pessoa, mas sim o fato de ser
criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26-27), e, ainda mais, o fato de
ser filhos de Deus; todo ser humano é um filho de Deus! Nele está impressa a
imagem de Cristo! Trata-se, então, de o vermos, nós, em primeiro lugar, e de
ajudar os outros a verem no migrante e no refugiado não só um problema para
lidar, mas um irmão e uma irmã a serem acolhidos, respeitados e amados;
trata-se de uma oportunidade que a Providência nos oferece para contribuir na
construção de uma sociedade mais justa, de uma democracia mais completa, de um
país mais inclusivo, de um mundo mais fraterno e de uma comunidade cristã mais
aberta, de acordo com o Evangelho. As migrações podem criar possibilidades para
a nova evangelização; abrir espaços para o crescimento de uma nova humanidade,
preanunciada no mistério pascal: uma humanidade em que toda terra estrangeira é
uma pátria, e em que toda pátria é uma terra estrangeira.
Queridos migrantes e refugiados! Não percais a
esperança de que também a vós está reservado um futuro mais seguro; Que possais
encontrar em vossos caminhos uma mão estendida; que vos seja permitido
experimentar a solidariedade fraterna e o calor da amizade! Para todos vós e
para aqueles que dedicam suas vidas e suas energias ao vosso lado eu prometo a
minha oração e concedo de coração a minha Bênção Apostólica.
Cidade do Vaticano, 05 de agosto de 2013.
FRANCISCO
Fonte: www.vatican.va
Imagem: Rádio Vaticano Brasil.
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