Sex, 27
de Setembro de 2013 09:38 por: cnbb
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém
Arcebispo Metropolitano de Belém
A Palavra de Deus reúne o povo que lhe pertence,
convocando-o à comunhão com o próprio Senhor, para ser um sinal de um mundo
diferente, possível para todos os homens e mulheres, pela ação da graça. Jesus,
Filho de Deus verdadeiro, veio ao mundo e trouxe a "cultura do Céu",
oferecendo-a com generosidade. "De rico que era, tornou-se pobre por amor,
para que nos enriquecer com sua pobreza" (2 Cor 8,9). Nele e com ele se
encontra o chamado e a graça a restaurar todas as coisas. Em Jesus Cristo, Deus
"nos fez conhecer o mistério de sua vontade, segundo o desígnio
benevolente que formou desde sempre em Cristo, para realizá-lo na plenitude dos
tempos: recapitular tudo em Cristo, tudo o que existe no céu e na terra"
(Ef 1,9-10). Esta terra não é um restolho a ser desprezado, mas campo de prova
e de missão, entregue a todos os filhos amados de Deus. A nós cabe a resposta a
este plano de amor!
Não faltam os desafios a serem enfrentados para que
os sonhos de Deus e de seus filhos se realizem. Dentre estes, assoma
significativo o verdadeiro abismo entre grupos sociais, passando da extrema e
escandalosa miséria, até chegar à abundância, ao esbanjamento e ao desperdício,
que têm provocado indignação e clamado soluções construtivas. A sensibilidade
especial do Evangelho de São Lucas para os pobres e pequenos (Cf. Lc 16, 10-31)
mostra Jesus que, através da provocante linguagem das parábolas, quer suscitar
novas atitudes, semeando novas relações entre as pessoas.
Lázaro, o pobre de outrora e de sempre, assim como
o rico epulão, continuam presentes e incômodos, quando a parábola é contada por
Jesus. Mas o Céu, com seu modo de viver baseado na comunhão e na partilha, está
bem perto de nós. Antes de pôr o dedo na ferida da desigualdade e da injustiça
presentes em nosso tempo, faz bem olhar ao nosso redor e identificar onde se
encontram experiências diferentes, nas quais o Céu desce à terra. Perto e
dentro de nós, existem gestos de comunhão, gente de coração generoso,
sensibilidade diferente à fraternidade. Penso em tantas iniciativas tomadas por
pessoas e grupos, como as tantas obras sociais da Igreja ou de outras
instâncias da sociedade, nas quais se superam as distâncias e a fraternidade se
instala. E quantas são as pessoas tocadas pela força da palavra de Deus e hoje
mais fraternas e sensíveis às necessidades dos outros, capazes de acolher os
outros e proporcionar-lhes caminhos novos de promoção e autonomia.
Depois, trata-se de alargar a compreensão para
verificar as marcas de verdadeiro inferno existentes em torno a nós, onde o
egoísmo se espalha e deixa seu rastro destruidor. Uma imagem de tal situação me
veio há poucos dias diante dos olhos: um morador de rua recolhendo água suja de
uma valeta numa grande cidade, para quase fazer de conta de se lavar no início
de um novo dia. Penso em tantos homens e mulheres que veem seus filhos vagando
pelas ruas, revestidos de andrajos, com o coração dolorido por não terem roupas
adequadas. E os homens e mulheres que recolhem restos de comida, quais lázaros
que competem com cães vadios? Brada ao Céu a terra que edificamos! A dignidade
humana, inscrita por Deus em todos os seus filhos, grita por novas atitudes.
Para acordar a humanidade adormecida dentro de nós, foram dados lei, profetas
e, mais ainda, alguém que ressuscitou dos mortos (Cf. Lc 16, 29-31). E não
falta o grito da realidade, mas ouvidos sensíveis!
Primeiro passo é saber que o Céu, Pátria definitiva
em que desejamos habitar, é casa cuja construção começa na terra. Dar guarida a
cada pessoa que clama pelo nosso amor, sem deixar quem quer que seja passar em
vão ao nosso lado. Diante do aleijado encontrado pelas ruas, Pedro e João
tinham muito mais do que recursos materiais: “Não tenho ouro nem prata, mas o
que tenho eu te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda!”
(At 3,5). Deram a cura, abriram o coração do homem para Deus. E os textos dos
Atos dos Apóstolos mostram que os primeiros cristãos lutaram pela comunhão de
bens, um dos sinais da Presença de Cristo Ressuscitado. Palavra, pão, remédio,
abraço, consolo, sorriso, mãos que elevam, cura. Tudo serve e certamente
haverá, no tesouro do coração de cada pessoa, algo a oferecer. Começar já, do
jeito que é possível para cada um de nós.
Mas muitos podem oferecer outras coisas! Quem tem
responsabilidades públicas, à frente de organismos da sociedade, pode aguçar sua
sensibilidade e priorizar ações correspondentes aos valores da dignidade humana
e proporcionar maior respeito às pessoas, especialmente aos mais necessitados.
Há muita cara fechada e muita burocracia a serem superadas nas repartições
públicas. Muitas filas podem diminuir, se crescer a boa vontade. Há projetos em
vista do bem comum a serem implantados, vencendo interesses corporativos que
emperram a vida dos cidadãos. Existe um caminho de conversão adequado para as
pessoas que detêm cargos eletivos, quem sabe, inscritos até nos discursos
bonitos da campanha eleitoral! Há mãos a serem lavadas na água pura da fonte da
vida!
Tudo isso será possível se os valores que norteiam
o comportamento tiverem referências diferentes. Escrevendo a Timóteo,
companheiro de jornada no anúncio do Evangelho, São Paulo fez notar que
"na verdade, a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Por se terem
entregue a ele, alguns se desviaram da fé e se afligem com inúmeros
sofrimentos. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas, procura antes a
justiça, a piedade, a fé, a caridade, a constância, a mansidão. Combate o bom
combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado quando
fizeste a tua bela profissão de fé diante de muitas testemunhas" (1 Tm 6,
10-16). A atualidade patente da Escritura provoca novas atitudes. Só com homens
e mulheres renovados e transformados com os critérios do Evangelho se pode
implantar relações novas na sociedade.
Enfim, vale dizer que se o Céu é o limite, não há
que temê-lo. Quando a Escritura e a Igreja falam das realidades definitivas,
chamadas "novíssimos do homem", não desejam incutir o pavor, nem
converter à força as pessoas. Não fomos feitos para rastejar no pecado e no
egoísmo, mas pensados por Deus para a felicidade, construída e partilhada nesta
terra e vivida em plenitude na eternidade.
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