“Aquilo que mais fere o povo cristão é o apego do clero ao dinheiro”
Meditação de Quaresma: Igreja seja transparente sobre bens
© Antoine Mekary / ALETEIA
O Papa Francisco e seus colaboradores da Cúria Romana entraram no
quarto dia de reflexões propostas pelo Padre Ermes Ronchi durante os
exercícios espirituais de Quaresma, em Ariccia.
“Aquilo que mais fere o povo cristão – observou Padre Ronchi – é o
apego do clero ao dinheiro”, enquanto “o que faz o povo cristão feliz é o
pão compartilhado”.
Neste contexto, a transparência dos bens da Igreja, a luta contra à
fome e contra o desperdício de alimentos foram os principais temas que
conduziram a sexta meditação na manhã desta quarta-feira (09/03).
“Existem pessoas tão famintas que para elas Deus não pode não ter
outra forma a não ser a de um pão”. Estas foram as palavras iniciais da
meditação de Padre Ronchi. A vida tem início com a fome, disse, “estar
vivo é ter fome”. E se a visão se amplia, vê-se uma fome das massas, “o
assédio dos pobres”, milhões de punhos cerrados que pedem algo para
comer, não pedem “uma definição religiosa”.
– E a Igreja, como responde?
Não às cortinas de fumaça
As palavras do Evangelho com as quais Padre Ronchi intercala as suas
são aquelas da multiplicação dos pães e dos peixes e da pergunta de
Jesus aos discípulos: “Quantos pães vocês têm? Vejam!”. Jesus, observa
Padre Ronchi, “é muito prático”, pede “para fazer as contas”.
“Isso é pedido a todos os discípulos também hoje, e a mim: quanto
tens? Quanto dinheiro, quantas casas? Que padrão de vida? Vejam,
verifiquem. Quantos carros ou quantas joias em forma de cruz e de anéis?
A Igreja não deve temer a transparência, não deve ter nenhum medo da
clareza sobre os seus pães e peixes, seus bens. Cinco pães e dois
peixes”.
Compartilhar é multiplicar
“Com a transparência se é verdadeiro. E quando se é verdadeiro se é
também livre”, afirma o pregador dos exercícios. Como Jesus, que “não se
fez comprar por ninguém”, e “jamais entrou nos palácios dos potentes,
somente quando prisioneiro”.
Quando não se tem, nota Padre Ronchi, procura-se reter, como aquelas
Ordens religiosas que tentam administrar os bens como se isso pudesse
produzir aquela segurança corroída pela crise das vocações. Ao invés, a
lógica de Jesus é aquela do dom. “Amar” no Evangelho se traduz em um
verbo seco: “dar”. O milagre da multiplicação diz isto, que Jesus “não
se preocupa com a quantidade” do pão, aquilo que quer é que o pão seja
compartilhado:
“De acordo com uma misteriosa regra divina: quando o meu pão passa a ser o nosso pão, também o pouco passa a ser suficiente. E,
ao contrário, a fome começa quando restrinjo o meu pão a mim, quando o
Ocidente saciado restringe seu pão, seus peixes, os seus bens para si
(…) Alimentar a terra, toda a terra, é possível, há pão em abundância.
Não é preciso multiplicá-lo, basta distribuí-lo, começando por nós. Não
são necessárias multiplicações prodigiosas, mas derrotar a Gula do
egoísmo, do desperdício de alimento e do acúmulo de poucos”.
“A fome dos outros tem direitos sobre mim”
“Dai e vos será dado. Uma medida boa, socada, sacudida e
transbordante será colocada na dobra da vossa veste…”. Nesta promessa de
Jesus está contida, reitera Padre Ronchi, “a misteriosa, imensa
economia do dom e do cêntuplo, que é o diferencial de todas as balanças.
Isto “me conforta – disse – porque mostra que a verdade última segue a
lógica do dom, não aquela da observância”. E a “pergunta última será:
doaste pouco ou doaste muito à vida”. “Disto depende a vida, não dos
bens”, conclui Padre Ronchi. E são suficientes cinco pães doados para
mudar o mundo:
“O milagre são os cinco pães e os dois peixes que a Igreja nascente
coloca nas mãos de Cristo confiando-se, sem calcular e sem reter
qualquer coisa para si e para o próprio jantar. É pouco mas é tudo
aquilo que tem, é pouco mas é o jantar completo dos discípulos, é uma
gota no mar, mas é aquela gota que pode dar sentido e pode dar esperança
à vida”.
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