A
espiritualidade na vocação matrimonial passa necessariamente pela doação total
e recíproca do corpo
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A espiritualidade
matrimonial não consiste apenas na oração e nas práticas de piedade feitas em
conjunto pelos cônjuges. A vivência da espiritualidade nesta vocação particular
passa necessariamente pela doação total e recíproca do corpo. Mais ainda: a união
conjugal é o centro e o coração da vida espiritual do matrimônio!
Não é “apesar” da
sexualidade que os esposos devem crescer na vida espiritual: é justamente
“através” do exercício ordenado da sexualidade, ou seja, em conformidade com a
sua finalidade e propósito. A vida sexual dos esposos não pode ser considerada
um aparte na sua vida espiritual: pelo contrário, ela faz parte do coração e do
centro da espiritualidade conjugal. Esta é a perspectiva da Teologia do Corpo,
de São João Paulo II, que pode parecer “surpreendente” e “inovadora” para muita
gente que desconhece a verdadeira doutrina da Igreja (gente que, em vez de
conhecer a doutrina diretamente em sua fonte, só “fica sabendo” de pedaços dela
que são mal apresentados, descontextualizados ou abertamente manipulados pelo
assim chamado “jornalismo” laico).
Se é verdade que a
mídia presta um serviço muito questionável quando “informa” (?) sobre questões
de doutrina católica, também é verdade, por outro lado, que, durante quase
vinte séculos, não existiu na Igreja “uma espiritualidade especificamente
conjugal”: a literatura espiritual sempre foi abundante para sacerdotes e
religiosos, mas bastante menos rica em material que abordasse a grandeza e a
profundidade da vocação matrimonial como um caminho específico de santidade. Os
casais se viam “obrigados” a alimentar-se de uma espiritualidade que não era
especificamente voltada para o seu estado de vida nem para a sua vocação.
Isso não quer dizer
que a Igreja não considerasse a sexualidade conjugal uma dimensão da santidade
no matrimônio. Mas foi graças à Teologia do Corpo, de São João Paulo II, que
ficou mais claro para os católicos que “tanto o matrimônio quanto a entrega de
si mesmo aos outros através do celibato pelo Reino envolvem o dom total de si,
e que ambas as vocações – matrimônio e celibato – podem conduzir à santidade”.
A
espiritualidade das pessoas casadas
É própria dos casais
unidos em matrimônio, e não uma simples transposição da espiritualidade de
religiosos e religiosas para a vida matrimonial. A espiritualidade matrimonial
se articula no aspecto que mais a distingue da vida consagrada: a entrega do
corpo.
Quem abraça o chamado
ao “celibato pelo Reino”, como Jesus o caracteriza, procura a união com Deus em
uma relação direta com Ele. Já no matrimônio a vocação recebida é um chamado ao
encontro com Deus através da doação própria a outra pessoa – incluindo nessa
doação a própria entrega carnal. É constitutivo da espiritualidade conjugal
compartilhar a vivência carnal – que não é só sexual, mas também afetiva, terna
e ligada ao conjunto de aspectos que São João Paulo II chamou de “linguagem do
corpo”.
E é essencial
entendê-lo bem, porque, do contrário, tenta-se viver uma espiritualidade de
celibato dentro do matrimônio e os esposos se perdem. Há pessoas casadas que
procuram Deus fora do matrimônio ou “apesar” do matrimônio, quando é
precisamente a sua vocação ao matrimônio que deveria levá-las a buscar a Deus
“através” da doação pessoal de cada cônjuge um ao outro.
Uma
espiritualidade “especificamente conjugal”
Depois de séculos
focados em revelar toda a beleza da espiritualidade religiosa e sacerdotal, a
Igreja é chamada, hoje, a revelar outra dimensão do tesouro que recebeu: a
espiritualidade conjugal.
Espera-se o equilíbrio entre as duas modalidades
possíveis de uma mesma e única vocação de todo homem e de toda mulher: o dom de
si próprio, que São João Paulo II chamava de “vocação esponsal” da pessoa. Esta
vocação pode realizar-se no dom de si mesmo a Deus, através da vocação esponsal
virginal (consagrada, religiosa ou sacerdotal) ou no dom de si mesmo a outra
pessoa: a vocação esponsal conjugal.
Os primeiros
elementos explícitos da espiritualidade conjugal podem ser encontrados em São
Francisco de Sales, mas é principalmente no século XX que começam a surgir
movimentos de espiritualidade conjugal. É o caso, por exemplo, do que se
iniciou na França por influência do padre Caffarel e das Equipes de Nossa
Senhora.
Além
da procriação: a importância do ato conjugal
O ato conjugal não
pode ser reduzido a uma simples necessidade voltada a gerar vida. Tanto a
procriação como a comunhão dos esposos são fins do ato conjugal e estão
intrinsecamente unidas: a comunhão dos esposos faz com que eles queiram gerar
vida, já que toda comunhão autêntica tende à fecundidade. Além disso, o dom da
vida completa e aperfeiçoa a comunhão dos esposos. Os dois significados do ato
conjugal, condicionados um ao outro, devem, portanto, ser mantidos juntos, como
já pedia Paulo VI na encíclica Humanae Vitae, de 1968.
A união entre
espiritualidade e sexualidade é um desafio para todo matrimônio autenticamente
cristão – mas não é impossível. Pelo contrário: a Igreja estaria nos enganando
ao nos apresentar o matrimônio como uma vocação cristã à santidade se não fosse
possível unir a sexualidade e a espiritualidade.
O
matrimônio como vocação inferior? De jeito nenhum!
São João Paulo II
declarou enfaticamente que, “nas palavras de Cristo sobre a castidade ‘pelo
reino dos céus’, não há nenhuma referência a uma ‘inferioridade’ do matrimônio
no tocante ao corpo ou à essência do próprio matrimônio (o fato de que o homem
e a mulher se unam para se tornar uma só carne)”. E de novo: “O matrimônio e a
castidade [‘pelo Reino’] não são opostos e não dividem a comunidade humana e
cristã em dois campos: o dos ‘perfeitos’ graças à castidade [vivendo em
celibato] e o dos ‘imperfeitos’ ou menos perfeitos por ‘culpa’ da realidade da
sua vida matrimonial”. Não se pode ser mais claro! No entanto, é verdade que a
prática total dos votos de pobreza, castidade e obediência da vida religiosa
permitem chegar com maior facilidade à caridade plena, que é a única medida válida
da vida cristã.
Quanto à santidade
“sozinho” ou “em casal”, vale recordar um provérbio que diz que “sozinho se
chega rápido, mas acompanhado se chega longe”. Quando há dois, é preciso levar
o outro em conta para ambos avançarem juntos. Tentações não faltam para fugir
desta exigência do matrimônio… Aliás, quem não se sente chamado a avançar assim
na vida cristã é porque, talvez, não tenha a vocação matrimonial – e isso é
perfeitamente legítimo, já que é bem claro que nem todos recebem de Deus a
mesma vocação.
Perdão
e comunhão conjugal
Não há limites para o
perdão, que é premissa da comunhão. É o perdão que permite a perpétua
restauração da comunhão. Os atos negados de perdão vão levantando uma montanha
que separa o casal. Pedir perdão e perdoar é tarefa de todos os dias, porque
todos os dias se causa alguma pequena ferida.
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A
partir de artigo original da Revista Misión
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