Dom Jaime Spengler
Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre (RS)
Durante o período da quaresma estamos sendo
convidados a nos voltar ainda mais intensamente para Jesus, Caminho, Verdade e
Vida (cf. Jo 10,3). Essa intensidade acontece em três âmbitos: na oração, na
revisão de nossas atitudes e comportamentos, e em gestos de caridade. Podemos,
pois, afirmar que o voltar-se para Jesus possui três enfoques: pessoal, social
e comunitário
.
A partir deste convite que o tempo litúrgico da
Quaresma nos faz, e tendo presente o enfoque social e comunitário deste
voltar-se para Jesus, somos convidados a tomar consciência de uma realidade
cruel e refletir sobre uma antiga e atual chaga social: o tráfico humano.
O que é o tráfico humano? Segundo o Protocolo de
Palermo, tráfico humano ‘é o recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força,
ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de
autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de
pagamento de benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha
autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no
mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à
escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos’ (Texto Base da CF 2014, p.
71).
Trata-se de uma realidade complexa, que fere o
sagrado direito à liberdade e à felicidade, desconsiderando a dignidade de todo
ser humano. O tráfico humano possui muitas nuanças. A pessoa não precisa ser
necessariamente forçada para que seja considerada traficada. A coação,
promessas exuberantes e falsas, dinheiro fácil, o querer propiciar condições de
vida melhores para pessoas da própria família, podem levar pessoas a se
submeter a exigências descabidas e desumanas; podem levar homens e mulheres a
se deixar explorar. Tais exigências podem ser caracterizadas como tráfico
humano.
No Brasil, o tráfico humano se apresenta de duas
formas bem conhecidas: a exploração no mercado do sexo, que atinge
principalmente mulheres, mas também crianças, adolescentes e jovens; e a
exploração de trabalhadores escravizados em atividades produtivas, seja no
campo ou na indústria.
A Quaresma representa um tempo propício para que os
cristãos avaliem a qualidade de sua vida de fé e seus desdobramentos. A
Campanha da Fraternidade apresenta um convite à toda a sociedade brasileira,
para que tome consciência de um tema de relevância social, e ao mesmo tempo se
empenhe para a transformação daquilo que precisa ser melhorado. Neste ano de
2014 estamos sendo confrontados com a chaga do tráfico humano, que produz dor,
sofrimento, vergonha e morte a tantos.
Fazemos
votos que a sociedade brasileira constituída de filhos e filhas que não
fogem à luta, abrace a causa desta Campanha da Fraternidade, colaborando
eficazmente para a superação desta realidade que, financeiramente falando, só
perde para o tráfico de drogas e de armas.
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