Solenidade
da Epifania, Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, Segundo Mateus (Mt 2,1-12)
Neste Domingo da
Epifania, celebramos a manifestação de Cristo aos três reis magos. Guiado por
"uma luz humilde, como faz parte do estilo do Deus verdadeiro"01,
o pequeno grupo bate à porta de Belém, avistando "o menino com Maria, sua
mãe". Diz a leitura que "ajoelharam-se diante d’Ele, e O
adoraram." A cena nos revela a face missionária de Deus. Mas, neste caso,
trata-se de uma missão às avessas, uma vez que já não é o missionário quem leva
Cristo ao homem, mas é o homem que, através da estrela, vai até Cristo para
adorá-Lo na carne, em Sua humanidade.
Aqui, então, se
apresenta aquela famosa citação d’As Confissões de Santo Agostinho: "Tu
mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste para ti, e nosso
coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso"02.
Deus nos chama. Todos nós, por mais pecadores que sejamos - cristãos e
não-cristãos -, estamos naturalmente inclinados para o Criador. Desejamos a
salvação eterna, mesmo que, muitas vezes, a procuremos no lugar errado.
O fato de serem
pagãos, com efeito, não impede aqueles magos de reconhecerem no pequeno menino
envolto em faixas o rei que lhes havia de nascer. Pelo contrário, prostam-se
para adorá-Lo, dando-Lhe como presente "ouro, incenso e mirra". Eles
adoram o Verbo Encarnado, o Deus que se fez homem para nos redimir de toda
falta e toda culpa. A Solenidade da Epifania recorda-nos, por sua vez, que o
único lugar onde, de fato, podemos encontrar Deus nesta Terra é na humanidade
de Jesus. É algo de grande importância para a nossa fé, sobre o qual devemos
insistir e meditar repetidas vezes - mormente nestes tempos em que a separação
entre o Cristo histórico e o Jesus da fé é promovida a olhos vistos, mesmo
dentro da Igreja. A troco de uma suposta paz duradoura, em que se haja um único
governo mundial e, obviamente, uma única superreligião, não são poucos os que
se propõem a jogar fora a verdade de nossa fé. À revelia do depósito Sagrado da
Doutrina Cristã, esses novos patronos da razão esclarecida jogam toda sorte de
dúvida sobre a natureza humana e divina de Cristo, ressuscitando nos dias de
hoje o antigo fantasma da heresia gnóstica.
Durante séculos, a
Igreja precisou se manifestar contra essa tentação perniciosa em que se concebe
um fé cristã desencarnada - sem necessidade da Igreja e dos sacramentos -, e
alimentada por supostas experiências místicas e "encontros pessoais".
Nesta seara, lutou bravamente Santa Teresa de Jesus. Conforme relatos de seu
Livro da Vida, a santa de Ávila teve de lidar com certos "entendidos e
letrados" que, absurdamente, advogavam a devoção à humanidade de Nosso
Senhor Jesus Cristo como coisa de iniciantes. Para estes, a espiritualidade das
almas "evoluídas" deveria ir para Deus; a frequência aos sacramentos
era posta de lado, julgava-se coisa obsoleta. Não obstante, contrariando
aqueles ideais, Santa Teresa diz às claras que a devoção à humanidade de Jesus
consiste em algo fundamental para qualquer cristão, de qualquer época e em
qualquer lugar. E foi assim que ela introduziu entre os carmelitas a fé no
Verbo Encarnado. É famoso o episódio em que, subindo as escadarias de seu
carmelo, a santa encontra um menino e ele lhe pergunta: - "Quem é
você?" - ao que ela responde: - "Eu sou Teresa de Jesus, e
você?": - "Eu sou Jesus de Teresa".
No capítulo 26 de
Caminho de perfeição03,
procurando explicitar através das imagens a necessidade dessa fé no Cristo
encarnado, Santa Teresa D’Ávila diz:
[...] Assim,
irmãs, não vos julgueis para tão grandes trabalhos, se não sois para coisas tão
poucas; exercitando-vos nestas, podereis chegar a outras maiores. O que podeis
fazer para ajuda disto é procurar trazer uma imagem ou retrato deste Senhor que
seja a vosso gosto, não para trazê-lo no seio e nunca para ele olhar, mas para
falar com Ele muitas vezes, que Ele mesmo vos ensinará o que Lhes haveis de
dizer. Assim como falais com outras pessoas, por que hão-de faltar-vos mais as
palavras para falardes com Deus?
De igual modo,
nesta Solenidade da Epifania, em que Jesus apresenta-se como o Deus feito
homem, outra Teresa vem nos ensinar a como adorar o pequeno grande Menino Deus.
Imitando a ação dos três reis magos de dar presentes a Jesus, Teresa de Liseux,
nos escritos de História de uma alma, apresenta-se também como presente ao menino,
mas não como "ouro" ou "mirra"; como um brinquedo sobre o
qual Jesus possa ter total domínio e autonomia. Nesta simplicidade, Santa
Teresinha do Menino Jesus vem nos recordar que devemos nos entregar a Deus sem
reservas e sem qualquer receio, como verdadeiros filhos que se submetem à
vontade dos pais.
Rezemos a Deus
para que, percorrendo os passos dessas duas grandes santas, possamos fazer-nos
simples "brinquedos" em Suas mãos de pequeno e frágil menino.
Amém.
Referências
- Homilia de Bento XVI na Solenidade da Epifania de Nosso Senhor, de 2008
- As confissões, de Santo Agostinho
- Obras completas de Santa Teresa de Jesus. 2ª Edição. Porto: Edições "Carmelo" Aveiro - 1978
Nenhum comentário:
Postar um comentário