fonte: CNBB (SEGUNDA, 15 JUNHO 2015 15:10)
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)
Arcebispo de São Paulo (SP)
Nas Câmaras de
Vereadores de São Paulo e de todos os municípios do Brasil tramitam projetos de
lei para instituir os Planos Municipais de Educação (PME) para o próximo
decênio. Tais projetos de lei são de capital importância para a educação e
buscam adequar os Planos Municipais às metas e estratégias apresentadas pelo
Plano Nacional de Educação conforme a lei 13.005/14.
Tendo em vista a
relevância da questão, é importante que a população acompanhe a discussão
desses projetos de lei em suas comunidades e se manifeste aos Vereadores sobre
as questões envolvidas nos Planos Municipais de Educação.
Ninguém duvida da
importância primária da educação para a formação dos cidadãos e no convívio
social. Numa cidade das dimensões de São Paulo, por exemplo, com enorme
quantidade de crianças, adolescentes e jovens em idade escolar, certamente é
necessário que haja um marco legislativo para a atuação do poder público nessa
área. Mas os pais e as famílias deveriam ser os primeiros interessados em
participar dessa discussão. Será que foram ouvidos?
Acompanhando a
tramitação do projeto de lei do PME na Câmara de Vereadores de São Paulo, devo
reconhecer o esforço dos Vereadores para assegurar uma educação de qualidade a
todas as crianças, adolescentes e jovens do município. Entretanto, desejo tecer
alguns comentários sobre a chamada “ideologia de gênero”, que se pretende
inserir nos Planos Municipais de Educação.
É fundamental que
pais e educadores estejam bem alertas para o conteúdo dessa ideologia, que faz
uso de conceitos ambíguos e passa uma percepção confusa das questões ligadas à
sexualidade (gênero, identidade de gênero, diversidade sexual, opção
sexual...), dificultando um debate sério e escolhas legislativas claras e
responsáveis. A ideologia de gênero pressupõe o esvaziamento dos conceitos de
homem e mulher, masculino e feminino, ao veicular a ideia de que o sexo
biológico e físico seria um dado irrelevante, do qual seria necessário
libertar-se para construir uma “identidade de gênero” livre e arbitrária. A
identidade sexual e de gênero seria, pois, fruto de uma elaboração subjetiva e
voluntarista de cada pessoa. A meu ver, isso é uma forma narcisista de afirmar
a subjetividade, incapaz de se confrontar com as realidades objetivas, fora da
sua vontade de poder...
Essa pretensão,
porém, é insustentável do ponto de vista filosófico, uma vez que ela
desconsidera os fundamentos antropológicos objetivos da sexualidade humana; um
deles é a corporeidade, com todas as suas dimensões. Mas também é uma falsidade
evidente do ponto de vista científico, uma vez que contradiz os dados
observáveis da realidade. Por que não levar a sério, na formação da
autoconsciência dos indivíduos, a sua realidade biológica objetiva, quando a
ciência leva tanto a sério essa mesma natureza biológica do ser humano?!
Há quem pense, no
entanto, que a ideologia de gênero seria uma forma de proteger as mulheres e os
homossexuais e que a introdução dessa ideologia na legislação educacional
traria um grande avanço em relação à proteção dos direitos humanos. No entanto,
o equívoco fica patente quando se constata que, na ideologia de gênero, não há
lugar para conceitos definidos de, homem, mulher ou de homossexual, nem para
nenhuma outra identidade abstrata. Na verdade, o “gênero” é tido pelos seus
ideólogos como uma construção arbitrária de cada um, não havendo justificativa
para nenhuma categorização nessa matéria. No fundo, existiriam tantos gêneros
quantos são os indivíduos. Com semelhante ideologia, os próprios movimentos
feministas e homossexuais perderiam sua razão de ser.
Na educação, a
ideologia de gênero traz diversos inconvenientes. Nas crianças e adolescentes,
ela gera confusão no processo de formação de sua identidade pessoal; pode
despertar uma “sexualização” precoce e promíscua, na medida em que a ideologia
de gênero propugna por uma diversidade de experiências sexuais em vista da
formação do próprio gênero. Além disso, essa ideologia poderia abrir um caminho
perigoso para a legitimação da pedofilia, uma vez que a orientação pedófila
também poderia ser considerada um tipo de gênero. É sabido que a banalização da
sexualidade humana leva ao aumento dos índices de violência sexual.
Enfim, a
autoridade dos pais em matéria de educação dos filhos fica usurpada,
principalmente em temas de moral e sexualidade, já que as crianças serão
submetidas à influência da citada ideologia, por conta do Estado; muitas vezes,
sem o conhecimento e sem o consentimento dos pais. Vale, portanto, um alerta
para pais e educadores: a adoção da ideologia de gênero no Plano Municipal de
Educação poderia resultar em graves distorções e danos na educação, sem trazer
benefícios concretos a ninguém; nem mesmo, nos casos em que crianças vivem
dramas profundos relacionados com a sexualidade: esses dramas não serão
resolvidos com a introdução, no ordenamento jurídico, de conceitos que buscam
abolir todas as diferenças naturais entre as pessoas; ao contrário, produzirão
lacerações interiores ainda mais profundas.
Encerro,
enfatizando uma verdade já há muito conhecida, mas olvidada com frequência: a
família é a instituição educadora por excelência. A escola pode exercer um
papel importante, tanto do ponto de vista da formação integral quanto da
socialização dos indivíduos; mas seu papel é supletivo. A família, no entanto,
em seu ambiente de amor e afeto, passa à criança a noção de valores e as
condições necessárias para o seu sadio amadurecimento. Portanto, o investimento
na educação seria bem melhor aplicado se o Estado somasse esforços com as
famílias, em vez de se sobrepor a elas, na educação dos filhos.
Publicado em O
Estado de São Paulo
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