FONTE: CNBB (Segunda, 09 Junho 2014 14:56)
Dom Sérgio da Rocha
Arcebispo de Brasília (DF)
A Copa do Mundo de Futebol tem suscitado
diferentes reações manifestadas não apenas individualmente, mas de modo
coletivo, de forma espontânea ou planejada, nas ruas, nas redes sociais e nos
diversos ambientes da sociedade. É inegável o seu significado para o povo
brasileiro e o seu impacto na vida social, em nosso país. As posturas opostas
de defesa da Copa e de crítica severa à sua realização sinalizam a sua
ambivalência e a necessidade de discernimento atento de seus valores e
problemas, de suas potencialidades e efeitos perversos. É preciso distinguir
serenamente o valor do esporte e particularmente do futebol, o evento Copa do
mundo nos padrões da FIFA e,
por fim, a sua realização no Brasil de hoje.
Refletir sobre o significado destes diferentes níveis é tarefa muito exigente.
A Copa tem mexido com o Brasil de modo inusitado, suscitando a crítica acirrada
que vem das ruas e de movimentos sociais. O país do futebol revelou ao mundo
que é preciso repensar as regras do jogo, não mais circunscritas às partidas e
dependentes dos juízes em campo. As regras que regem as renas políticas. As
regras adotadas pela FIFA para programar a Copa. É preciso “jogar” diferente
fora do campo de futebol, recusando jogadas violentas ou desonestas, para
marcar os gols tão esperados: a justiça, a paz, a dignidade humana, os direitos
à saúde, à educação, ao transporte, etc. Tal “jogo” necessita não apenas de
espectadores, mas principalmente de jogadores e torcedores pela vida, pela justiça
e paz. Esta é condição para que a alegria dos estádios possa ecoar pelas ruas.
O grito das torcidas nos estádios tem sido
precedido pelo grito de setores da população nas ruas. A escuta, a reflexão e o
diálogo atento às urgências do povo brasileiro devem continuar e se
intensificar após a Copa. Seria ingenuidade pensar que a Copa resolveria os
velhos e graves problemas do Brasil; porém, seria grave erro ignorar as
justas reivindicações e perder a ocasião para levar a sério os problemas
sociais colocados em pauta. Conforme afirma o Papa Francisco “as
reivindicações sociais, que tem a ver com a distribuição da riqueza, com a
inclusão social dos pobres e com os direitos humanos, não podem ser
sufocadas a pretexto de construir um consenso de gabinete ou uma paz efêmera
para uma minoria feliz”. (Exortação Evangelii Gaudium, 218).
Entretanto, as contradições da Copa ou a negação
de direitos sociais fundamentais não justificam o recurso à violência, dentro
ou fora dos estádios. A Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília tem
levado às autoridades, em particular àquelas incumbidas das ações de segurança
pública, as suas preocupações sobre essa questão, abrindo espaços de
diálogo e de reflexão em suas conversas sobre justiça e paz. A “rua” é espaço legítimo
para a reivindicação social, mas sem o recurso à violência. O exercício da
segurança pública deve circunscrever-se aos padrões democráticos.
A contribuição da sociedade civil organizada é
fundamental para a construção da justiça e da paz, neste período da Copa e
depois dela. A Igreja, através da CNBB, tem oferecido a sua colaboração através
de diretrizes pastorais que podem ser assim resumidas: “1) acompanhar
torcedores e jogadores nas suas demandas por momentos de espiritualidade e
encontro com Deus, bem como ser presença orante durante toda a Copa; 2)
acompanhar as populações vulneráveis, especialmente aquelas em situação de rua,
para que não sejam retiradas dos logradouros públicos durante a Copa e
depois devolvidos às ruas, como objetos que atrapalham a realização do
evento; 3) participar dos esforços por conscientização dos que nos
visitam, para que não pratiquem o turismo sexual mas sejam presença que
valorize a dignidade humana e a confraternização universal”.
Em sua mensagem sobre a Copa, a CNBB assim se
manifestou: “O sucesso da Copa do Mundo não se medirá pelos valores que
injetará na economia local ou pelos lucros que proporcionará aos seus
patrocinadores. Seu êxito estará na garantia de segurança para todos sem o uso
da violência, no respeito ao direito às pacíficas manifestações de rua, na
criação de mecanismos que impeçam o trabalho escravo, o tráfico humano e a
exploração sexual, sobretudo, de pessoas socialmente vulneráveis
e combatam eficazmente o racismo e a violência”. Este é o legado da Copa
que tanto esperamos!
É justo alegrar-se com a maioria dos brasileiros,
em torno da grande expectativa que a Copa do Mundo de Futebol desperta. É muito
bom acolher fraternalmente e alegremente aos que nos visitam. Ao mesmo
tempo e com especial atenção, é necessário continuar a construir a justiça
social para se obter uma paz verdadeira e duradoura. Nesta tarefa imensa
que ultrapassa o tempo regulamentar dos jogos e da Copa, a fé cristã e a
ética podem desempenhar papel fundamental. Jogar pela paz, jogar pela
vida, é imperativo ético que a todos interpela. As manifestações de
religiosidade dos jogadores durante as partidas, apesar de suas limitações
ou ambivalências, nos recordam que a fé em Deus é fundamental, nos campos de
futebol ou nos gramados da vida.
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