Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém (PA)
Arcebispo de Belém (PA)
Jesus morou em Cafarnaum, que fica às margens do
Mar da Galileia, mar de água doce, também chamado de Lago de Genesaré. Um
“rio-mar”! São principalmente as águas que vêm do Monte Hermon que o
constituem, para depois prosseguir, Rio Jordão, até o Mar Morto. Às margens do
Jordão acorreram multidões para o batismo de João, na preparação penitencial à
vinda do Messias Salvador. Em seu entorno aconteceu a maior parte dos eventos
da vida pública do Senhor naquela região (Mt 4, 12-23). Foram poucas as incursões
em outras áreas, além das viagens a Jerusalém e algumas cidades ou aldeias da
Judeia.
Jesus tinha aprendido de São José o digno ofício de
carpinteiro, provavelmente exercido nos anos de juventude, mas é do meio de
pescadores que chama seus primeiros discípulos. Foi também da pesca e do mar
que tirou muitas de suas belíssimas parábolas, com as quais aproximava os
ouvintes da realidade do Reino de Deus. E a Galileia das nações (Mt 4,15) foi o
espaço para o convite ao Reino e a conversão de muitas pessoas. O Senhor tinha
a paixão pelo Reino. “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo” era
como um refrão repetido! E até hoje é esta a palavra que pode tocar no coração
das pessoas.
Pregar o Evangelho do Reino e curar as doenças e
enfermidades (Mt 4, 23) eram as ocupações principais de Jesus. Palavra e gestos
que a expressavam, fé e vida! Por onde passava, as pessoas encontravam um
sentido novo naquilo que faziam, descobriam novos laços de relacionamento,
mudavam as prioridades de sua existência. E ele se revelava Senhor, dominando
as doenças, as forças da natureza, o demônio e a morte. Os discípulos foram
chamados a testemunhar as mudanças e a se comprometerem com elas, tornando-se
depois multiplicadores da mesma graça.
Simão, André, Tiago e João eram pescadores de
profissão, não apenas ocasionais ou diletantes. Nem dava para exercitar a
mentira sobre o tamanho do peixe, como se costuma brincar com pescadores de
nosso tempo. Sua labuta incluía noites e madrugadas mar adentro, para levar à
praia, ao nascer do sol, o fruto de seu trabalho, a ser negociado e
transformado em sustento. Daí em diante o pescador devia descansar um pouco em
casa e retornar, ao cair da tarde, ao seu trabalho. Pode-se imaginar o que
estava por trás da resposta de Pedro a Jesus: “Mestre, trabalhamos a noite
inteira e não pegamos nada. Mas, pela tua palavra, lançarei as redes” (Lc 5,
5).
De sua profissão podem-se recolher preciosos
ensinamentos, que aparecem como sinais da verdade do Reino de Deus. O pescador
deve saber a hora adequada para pescar. Confere lua, vento, maré, estação do
ano! Não se precipita! Sua tarefa é tantas vezes um grande exercício de
paciência. Depois o pescador sabe identificar as espécies de peixes. Seu
discernimento contribui para a própria profissão, assim como assegura a
continuidade do produto de seu trabalho. Nem se pode pensar em pesca
predatória! O trabalho que faz exige persistência e perseverança dedicação de
dias e anos. Sua pele é curtida pelo vento, o sol e as intempéries, para
aguentar firme!
Nossa Região Amazônica é rica de rios, barcos,
ilhas, ribeirinhos, pescadores. Esta é uma excelente oportunidade para
reconhecer a bravura e a coragem os povos dos rios e das florestas. Considero
preciosos dons de Deus o Açaí, a mandioca e a farinha, o peixe e o camarão, ao
lado de outros produtos prodigalizados pela Providência de Deus. Os ribeirinhos
e pescadores carregam consigo os mesmos dons acima citados, que correspondem a
valores do Reino de Deus. É que Deus fala através de sua Palavra proclamada e
fala através dos sinais de seu Reino oferecidos pela própria vida, um livro
eivado de sabedoria! Não poucas vezes pude contemplar o vai-e-vem de homens e
mulheres levando ao comércio de nossos portos o fruto de seu trabalho, tantas
vezes submetidos a condições duras e até injustas para ganhar o dinheiro
literalmente suado, com o qual as famílias são sustentadas. As viagens em
“casquinhas”, os remos ou os pequenos motores, até chegar aos barcos maiores e
navios, tudo é carregado de paciência, persistência, perseverança,
discernimento, coragem! Deus seja louvado por tantos “livros” abertos na vida!
Deus seja louvado pela abundância das águas. Deus seja louvado, olhando de
Belém, pelo nosso “rio-mar”!
E foram pescadores de peixes que se tornaram
pescadores de homens! Chegue ao coração de todos os fiéis, das diversas
culturas e ambientes, o convite a que crianças, adolescentes e jovens olhem
para o Senhor e descubram seu olhar e sua palavra forte e firme, que chama ao
seu seguimento. Em nome do Senhor e de sua Igreja, quero chamar do meio dos
povos das terras, das águas e das florestas homens e mulheres generosos,
dispostos a dar tudo a Deus. Amplio este convite a todos os que do continente
olham para nossos rios e mares, a fim de que surjam muitas vocações ao serviço
do Senhor e de seu Reino.
E a todos os povos e culturas que nos conhecem ou
querem conhecer, chegue a convicção expressa na recente Carta de Manaus: “A
Igreja Católica na Amazônia Legal vive e cresce com características próprias,
enraizadas na sabedoria tradicional e na religiosidade popular que durante
séculos alimentou e continua a manter viva a espiritualidade dos povos da
floresta e das águas, e agora, do mundo urbano. Enfrenta com alegria as
dificuldades das distâncias e da falta de comunicação para encontrar e oferecer
ao rebanho, confiado a nós pelo Senhor da messe, a luz da Palavra de Deus e a
Eucaristia como alimentos que revigoram e animam as forças para viver a
comunhão com Deus e cuidar da Amazônia como chão da partilha, pátria solidária,
“morada de povos irmãos e casa dos pobres” (Carta de Manaus, no Primeiro
Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal; Cf. Documento de Aparecida,
número 8). Que o Brasil se apaixone conosco pelos desafios da missão!
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