Seg, 20
de Janeiro de 2014 16:04 cnbb
Dom Murilo S.R. Krieger
Arcebispo de São Salvador (BA) e Primaz do Brasil
Arcebispo de São Salvador (BA) e Primaz do Brasil
“Acabou!” Com essa breve observação, muitas pessoas
descrevem o final de seu casamento. Por trás desse verbo há crises,
sofrimentos, desabafos e, não poucas vezes, brigas infindas. Em que lugar foram
enterrados os sorrisos do dia do casamento e as promessas de fidelidade “até
que a morte nos separe”? Em que fase da vida se desvaneceu a certeza de que
“ninguém será mais feliz do que nós dois”? Como entender a amargura que tomou
conta de um relacionamento que parecia tão feliz?...
Nenhum casamento termina “de repente”. Especialistas
matrimoniais constatam que, normalmente, o caminho da desintegração tem quatro
etapas, profundamente interligadas – isto é, cada etapa prepara e praticamente
condiciona a seguinte.
Na primeira, começam a surgir comentários
negativos, um a respeito do outro. Mais do que se queixar do esposo ou da
esposa (a queixa refere-se a um comportamento específico), multiplicam-se
críticas que são sempre abertas, indeterminadas, gerais: “Você é um chato!”;
“Você está cada vez mais insuportável!”. Há aqueles (ou aquelas) que sofrem
calados: não aceitam o comportamento do companheiro, mas não verbalizam isso. O
problema é que vão acumulando raiva em seu coração. Quando resolvem falar, não
medem as palavras. As agressões – verbais ou de fato – parecem ser de inimigos
mortais. Agora, o importante é humilhar o outro, para ficar claro que não há
mesmo possibilidade alguma de reconciliação.
Para não se chegar a esse ponto, é preciso cultivar
o diálogo. Mais do que escutar o outro, é importante ter a capacidade de se colocar
no lugar dele, para ver o problema “do outro lado”. Um casal me confidenciou
que, ao se casarem, tomaram uma decisão que marcou suas vidas: prometeram um ao
outro que jamais dormiriam sem, antes, solucionar os problemas que pudessem ter
surgido entre eles durante o dia. “Solucionar”, no caso, significava cultivar o
perdão como atitude habitual. O perdão será menos difícil se cada um, em vez de
atacar o outro de forma generalizada, chamar a atenção para erros concretos e
para comportamentos que precisam ser corrigidos.
Na segunda etapa, cresce o desprezo pelo outro.
Desprezar é uma forma de ignorar, de insultar, de ferir. O desprezo vem sempre
acompanhado da implicância, dos insultos, da ridicularização. O objetivo a
alcançar é a destruição do outro. O importante é sair vencedor.
Só se supera essa etapa quando ao menos um dos dois
aceita não ver o outro como um inimigo, e passa a acreditar que não precisa
provar que é o mais forte. “Quando estou fraco, então é que sou forte” (2Cor
12,10), diria o apóstolo Paulo.
Na terceira etapa, quem foi vítima de desprezo
começa a se defender. Impõe-se a ideia de que a melhor defesa é o ataque.
Ninguém mais escuta ninguém. Acabou-se a comunicação.
Consegue-se cortar essa situação somente com a
disposição de escutar o outro, de prestar atenção nele, demonstrando que ele é
importante.
Na quarta etapa, domina o mutismo. Um dos dois
passa a ficar em silêncio, talvez até com o desejo de não piorar a situação.
Mas, nessa hora, não é por aí que se soluciona o problema. É preciso, sim,
deixar claro que se está escutando o outro. Ninguém consegue ficar indiferente
diante de uma pessoa que lhe dá atenção. Escutar e prestar atenção com um
coração pronto a acolher é uma maneira de criar pontes – pontes de diálogo e de
perdão, pontes de comunhão.
Por fim, o que poderia ter sido escrito no começo:
nos meus mais de quarenta anos a serviço da Igreja, atendendo a inúmeros
casais, nunca encontrei um casal que rezasse diariamente, que colocasse Deus no
centro de suas vidas e que tenha passado por crises matrimoniais insuperáveis.
Para dizer isso de forma positiva, lembro a resposta que uma jovem me deu,
quando lhe perguntei como estava a sua vida, já que havia se casado dois anos
antes: “Meu marido sabe que eu amo a Deus mais do que a ele. Eu sei que meu
marido ama a Deus mais do que a mim. A partir daí, tudo fica mais fácil e tudo
se resolve sem grandes dificuldades...”
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