cnbb - TERÇA, 07 JULHO 2015 12:32
A primeira missa celebrada pelo papa
Francisco no Equador reuniu ontem, 6, em Guayaquil, mais de um milhão de
pessoas. O pontífice havia se deslocado de Quito, capital do país, para
Guayaquil onde visitou o Santuário da Divina Misericórdia, segundo lugar de
culto do país. No Santuário, Francisco foi acolhido por uma multidão.
Antes de deixar o templo, rezou uma Ave Maria com os presentes. Em seguida, o
papa foi para o Parque dos Samanes, onde celebrou missa dedicada às famílias e
cujo Evangelho foi o relato das bodas de Canaã. Em sua homilia, o papa falou da
figura de Maria que manifesta a Jesus sua preocupação pela falta de vinho.
Leia, abaixo, a íntegra da homilia do
papa Francisco.
SANTA MISSA PELAS FAMÍLIAS
HOMILIA DO SANTO PADRE
Parque dos Samanes, Guayaquil, Equador
Segunda-feira, 6 de julho de 2015
Segunda-feira, 6 de julho de 2015
A passagem do Evangelho que acabamos de
ouvir é o primeiro sinal prodigioso que se realiza segundo a narrativa do
Evangelho de João. A preocupação de Maria, transformada em súplica a Jesus:
«Não tem vinho!» - disse-Lhe - e a referência à «hora» compreender-se-ão,
depois, nos relatos da Paixão.
É bom que assim seja, porque
permite-nos ver a ânsia de Jesus por ensinar, acompanhar, curar e alegrar, a
começar da súplica de sua Mãe: «Não tem vinho!»
As bodas de Canaã repetem-se em cada
geração, em cada família, em cada um de nós e nossas tentativas de fazer com
que o nosso coração consiga apoiar-se em amores duradouros, em amores fecundos
e em amores felizes. Demos um lugar a Maria, «a mãe», como diz o evangelista. E
façamos com Ela agora o itinerário de Canaã.
Maria está atenta, está atenta
naquelas bodas já iniciadas, é solícita pelas necessidades dos esposos. Não Se
fecha em Si mesma, não Se encerra no seu mundo; o seu amor fá-La «ser para» os
outros. Nem procura as amigas para comentar o que se está a passar e criticar a
má preparação das bodas. E como está atenta, com a sua discrição dá-Se conta de
que falta o vinho. O vinho é sinal de alegria, de amor, de abundância. Quantos
dos nossos adolescentes e jovens percebem que, em suas casas, há muito que não
existe desse vinho! Quantas mulheres, sozinhas e tristes, se interrogam quando
foi embora o amor, quando o amor se diluiu da sua vida! Quantos idosos se
sentem deixados fora da festa das suas famílias, abandonados num canto e já sem
beber do amor diário dos seus filhos, dos seus netos, dos seus bisnetos. A
falta desse vinho pode ser efeito também da falta de trabalho, das doenças,
situações problemáticas que as nossas famílias atravessam em todo o mundo. Maria
não é uma mãe «reclamadora», nem uma sogra que espia para se consolar com as
nossas inexperiências, os nossos erros ou descuidos. Maria, simplesmente, é
mãe! Permanece ao nosso lado, atenta e solícita. É belo escutar isto: Maria é
mãe! Tendes coragem para o dizer todos juntos comigo? Então: Maria é
mãe! Outra vez: Maria é mãe! Outra vez: Maria
é mãe!
Maria, porém, no momento
em que constata que falta o vinho, dirige-Se com confiança a Jesus:
isto significa que Maria reza. Vai ter com Jesus, reza. Não vai ao
chefe de mesa; apresenta a dificuldade dos esposos diretamente a seu Filho. A
resposta que recebe parece desalentadora: «E que tem isso a ver contigo e
comigo? Ainda não chegou a minha hora» (v. 4). Mas, entretanto, já deixou o
problema nas mãos de Deus. A sua aflição com as necessidades dos outros apressa
a «hora» de Jesus. E Maria é parte desta hora, desde o presépio até à cruz –
Ela soube «transformar um curral de animais na casa de Jesus, com uns pobres
paninhos e uma montanha de ternura» (EG 286),
e recebeu-nos como filhos quando uma espada Lhe trespassava o coração –, Maria
ensina-nos a deixar as nossas famílias nas mãos de Deus; ensina-nos a rezar,
acendendo a esperança que nos indica que as nossas preocupações também
preocupam a Deus.
E, rezar, sempre nos arranca do
perímetro das nossas preocupações, fazendo-nos transcender aquilo que nos
magoa, o que nos agita ou o que nos faz falta a nós mesmos, e nos ajuda a
colocarmo-nos na pele dos outros, calçarmos os seus sapatos. A família é uma
escola onde a oração também nos lembra que há um nós, que há um próximo
vizinho, patente: que vive sob o mesmo teto, que compartilha a vida e está
necessitado.
E, finalmente, Maria
atua. As palavras «fazei o que Ele vos disser» (v. 5), dirigidas aos
serventes, são um convite dirigido também a nós para nos colocarmos à
disposição de Jesus, que veio para servir e não para ser servido. O serviço é o
critério do verdadeiro amor. Aquele que ama serve, põe-se ao serviço dos
outros. E isto aprende-se especialmente na família, onde nos tornamos
servidores uns dos outros por amor. Dentro da família, ninguém é descartado;
todos valem o mesmo.
Lembro-me que uma vez
perguntaram à minha mãe qual dos cinco filhos – nós somos cinco irmãos – qual
dos cinco filhos amava mais. E ela disse [mostra a mão]: como os dedos,
se me picam este dói-me o mesmo que se me picam outro. Uma mãe ama seus filhos
como são. E, numa família, os irmãos amam-se como são. Ninguém é descartado.
Lá, na família,
«aprende-se a pedir licença sem servilismo, a dizer “obrigado” como expressão
de uma sentida avaliação das coisas que recebemos, a dominar a agressividade ou
a ganância; lá se aprende também a pedir desculpa quando fazemos algo de mal,
quando nos ofendemos. Porque, em toda a família, há ofensas. O problema é
depois pedir perdão. Estes pequenos gestos de sincera cortesia ajudam a
construir uma cultura da vida compartilhada e do respeito pelo que nos rodeia»
(LS 213).
A família é o hospital mais próximo, quando uma pessoa está doente cuidam-na lá
enquanto se pode. A família é a primeira escola das crianças, é o grupo de
referência imprescindível para os jovens, é o melhor asilo para os idosos. A
família constitui a grande «riqueza social», que outras instituições não podem
substituir, devendo ser ajudada e reforçada para não perder jamais o justo
sentido dos serviços que a sociedade presta aos seus cidadãos. Com efeito,
estes serviços que a sociedade presta aos cidadãos não são uma espécie de
esmola, mas uma verdadeira «dívida social» para com a instituição familiar, que
é a base e que tanto contribui para o bem comum de todos.
A família também forma uma pequena
Igreja – chamamo-la «Igreja doméstica» – que, juntamente com a vida, canaliza a
ternura e a misericórdia divina. Na família, a fé mistura-se com o leite
materno: experimentando o amor dos pais, sente-se mais perto do amor de Deus.
E, na família – disto
todos somos testemunhas -, os milagres fazem-se com o que há, com o que somos,
com aquilo que a pessoa tem à mão. Muitas vezes não é o ideal, não é o que
sonhamos, nem o que «deveria ser». Há aqui um detalhe que nos deve fazer
pensar: o vinho novo, o vinho melhor, como o designa o mestre de mesa nas bodas
de Canaã, nasce das talhas de purificação, isto é, do lugar onde todos tinham
deixado o seu pecado… Nasce do «piorzinho», porque «onde abundou o pecado,
superabundou a graça» (Rm 5, 20). E na família de cada um de nós e
na família comum que todos formamos, nada se descarta, nada é inútil. Pouco
antes de começar o Ano Jubilar da Misericórdia, a Igreja vai
celebrar o Sínodo Ordinário dedicado às famílias, para amadurecer um verdadeiro
discernimento espiritual e encontrar soluções e ajudas concretas para as
inúmeras dificuldades e importantes desafios que hoje a família deve enfrentar.
Convido-vos a intensificar a vossa oração por esta intenção: para que, mesmo
aquilo que nos pareça impuro como a água das talhas, nos escandalize ou nos
espante, Deus – fazendo-o passar pela sua «hora» - possa milagrosamente
transformá-lo. Hoje a família precisa deste milagre.
E toda esta história começou porque
«não tinham vinho» e tudo se pôde fazer porque uma mulher – a Virgem Maria –
esteve atenta, soube pôr nas mãos de Deus as suas preocupações e agiu com
sensatez e coragem. Mas há um detalhe, não é menos significativo o dado final:
saborearam o melhor dos vinhos. E esta é a boa nova: o melhor dos vinhos ainda
não foi bebido, o mais gracioso, o mais profundo e o mais belo para a família
ainda não chegou. Ainda não veio o tempo em que saboreamos o amor diário, onde
os nossos filhos redescobrem o espaço que partilhamos, e os mais velhos estão
presentes na alegria de cada dia. O melhor dos vinhos aguardamo-lo com
esperança, ainda não veio para cada pessoa que aposta no amor. E na família há
que apostar no amor, há que arriscar no amor. E o melhor dos vinhos ainda não
veio, mesmo que todas as variáveis e estatísticas digam o contrário; o melhor
vinho ainda não chegou para aqueles que hoje veem desmoronar-se tudo. Murmurai
isto até acreditá-lo: o melhor vinho ainda não veio. Murmurai-o cada um no seu
coração: o melhor vinho ainda não veio. E sussurrai-o aos desesperados ou aos
que desistiram do amor: Tende paciência, tende esperança, fazei como Maria,
rezai, atuai, abri o coração porque o melhor dos vinhos vai chegar. Deus sempre
Se aproxima das periferias de quantos ficaram sem vinho, daqueles que só têm
desânimos para beber; Jesus sente-Se inclinado a desperdiçar o melhor dos
vinhos com aqueles que, por uma razão ou outra, sentem que já se lhes romperam
todas as talhas.
Como Maria nos convida, façamos «o que
o Senhor nos disser» Fazei o que Ele vos disser. E agradeçamos por, neste nosso
tempo e nossa hora, o vinho novo, o melhor, nos fazer recuperar a alegria da
família, a alegria de viver em família. Assim seja.
Que Deus vos abençoe e acompanhe! Rezo
pela família de cada um de vós, e vós fazei o mesmo que fez Maria. E, por
favor, peço-vos que não vos esqueçais de rezar por mim. Até ao regresso!
Fonte: www.vatican.va/ Imagem: AP
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