CNBB: QUARTA, 08 JULHO 2015 13:59
Após reunir-se com os bispos do
Equador, nesta terça-feira, 8 de julho, o papa Francisco presidiu missa
dedicada à Evangelização dos Povos, no Parque Bicentenário, em Quito, capital
do país. A missa reuniu mais de um milhão e meio de fiéis e foi
concelebrada por 40 bispos e 1200 sacerdotes. As vestes litúrgicas do papa,
confeccionadas por artesãs da região equatoriana de Azuay e por Carmelitas
Descalças, tinham os símbolos de um lírio, que representa Santa Mariana de
Jesus, a primeira santa equatoriana, à qual o Equador é consagrado.
Na homilia, o papa
Francisco falou da
libertação das desigualdades sociais e do pecado, da
necessidade de inclusão em todos os níveis da evangelização como veículo
de unidade de aspirações, sensibilidades e ilusões. “Evangelizar consiste em
atrair os afastados com o nosso testemunho, em aproximar-se humildemente
daqueles que se sentem longe de Deus na Igreja, aproximar-se daqueles que se
sentem julgados e condenados a priori por aqueles que se sentem
perfeitos e puros. Aproximar-nos daqueles que têm medo ou dos indiferentes,
para lhes dizer: «O Senhor também te chama para seres parte do seu povo, e
fá-lo com grande respeito e amor» (EG 113).
Porque o nosso Deus nos respeita mesmo nas nossas baixezas e no nosso pecado”,
explicou Francisco.
Leia, abaixo, a íntegra da homilia.
VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
AO EQUADOR, BOLÍVIA E PARAGUAI
(5-13 DE JULHO DE 2015)
AO EQUADOR, BOLÍVIA E PARAGUAI
(5-13 DE JULHO DE 2015)
SANTA MISSA PELA EVANGELIZAÇÃO DOS POVOS NO PARQUE DO BICENTENÁRIO
HOMILIA DO SANTO PADRE
Quito, Equador
Terça-feira, 7 de julho de 2015
Terça-feira, 7 de julho de 2015
A palavra de Deus convida-nos a
viver a unidade, para que o mundo acredite.
Imagino aquele
sussurro de Jesus na Última Ceia como um grito nesta Missa que celebramos no
«Parque Bicentenário». Imaginemos juntos: o Bicentenário daquele Grito de
Independência da Hispano-América. Foi um grito, nascido da consciência da
falta de liberdade, de estar a ser espremidos,
saqueados, «sujeitos às conveniências dos poderosos de turno» (EG 213).
Queria que hoje os
dois gritos... queria que hoje os dois gritos coincidissem sob o belo
desafio da evangelização. Não a partir de palavras altissonantes, nem com
termos complicados, mas que nasça da «alegria do Evangelho», que «enche o
coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam
salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do
isolamento», da consciência isolada (EG 1).
Nós todos juntos, aqui reunidos à volta da mesa com Jesus, somos
um grito, um clamor nascido da convicção de que a sua presença nos impele para
a unidade, «indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível»
(EG 14).
«Pai, que sejam
um, para que o mundo creia»: assim o almejou, levantando os olhos ao céu. A
Jesus brota-Lhe este pedido num contexto de envio: Como Tu me enviaste
ao mundo, Eu também os enviei ao mundo. Naquele momento, o Senhor está a
experimentar na sua própria carne o pior deste mundo que Ele, apesar de tudo,
ama loucamente: intrigas, desconfianças, traição, mas não esconde a cabeça, não
se lamenta. Também nós constatamos no dia-a-dia que vivemos num mundo
dilacerado pelas guerras e a violência. Seria superficial pensar que a divisão
e o ódio afetam apenas as tensões entre os países ou os grupos sociais. Na
realidade, são manifestação daquele «generalizado individualismo» que nos
separa e coloca uns contra os outros (cf.Evangelii
gaudium, 99), são manifestação da ferida do pecado no coração das
pessoas, cujas consequências fazem sofrer também a sociedade e a criação
inteira. É precisamente a este mundo desafiador, com os seus egoísmos, que
Jesus nos envia, e a nossa resposta não é fazer-nos de distraídos, argumentar
que não temos meios ou que a realidade nos supera. A nossa resposta repete o
clamor de Jesus e aceita a graça e a tarefa da unidade.
Àquele grito de liberdade, que
prorrompeu há pouco mais de 200 anos, não lhe faltou nem convicção nem
força, mas a história conta-nos que só se tornou contundente quando deixou de
lado os personalismos, o afã de lideranças únicas, a falta de compreensão de
outros processos libertadores com características diferentes, mas não por
isso antagônicas.
Poderá a
evangelização ser veículo de unidade de aspirações, sensibilidades, esperanças
e até de certas utopias? É claro que sim; isso mesmo acreditamos e gritamos.
«Enquanto no mundo, especialmente em alguns países, se reacendem várias formas
de guerras e conflitos, nós, cristãos, queremos insistir na proposta de
reconhecer o outro, de curar as feridas, de construir pontes, de estreitar
laços e de nos ajudarmos a carregar as cargas uns dos outros» (EG 67).
O anseio de unidade supõe a doce e reconfortante alegria de evangelizar, a
convicção de que temos um bem imenso para comunicar e de que, comunicando-o,
ganha raízes; e qualquer pessoa que tenha vivido esta experiência adquire maior
sensibilidade face às necessidades dos outros (cf. EG9).
Daí a necessidade de lutar pela inclusão em todos os níveis – lutar pela
inclusão em todos os níveis! – evitando egoísmos, promovendo a comunicação e o
diálogo, encorajando a colaboração. É preciso confiar o coração ao companheiro
de estrada, sem medo nem difidência. «O abrir-se ao outro é algo de artesanal,
porque a paz é artesanal» (EG 244);
é impensável que brilhe a unidade, se a mundanidade espiritual nos faz estar em
guerra entre nós, numa busca estéril de poder, prestígio, prazer ou segurança
econômica. E isso à custa dos mais pobres, dos mais excluídos, dos mais
indefesos, daqueles que não perdem a sua dignidade, mesmo tendo-a golpeada a
cada dia.
Esta unidade já é uma
ação missionária «para que o mundo creia». A evangelização não consiste em
fazer proselitismo – o proselitismo é uma caricatura da evangelização -, mas
evangelizar consiste em atrair os afastados com o nosso testemunho, em
aproximar-se humildemente daqueles que se sentem longe de Deus na Igreja,
aproximar-se daqueles que se sentem julgados e condenados a priori por
aqueles que se sentem perfeitos e puros. Aproximar-nos daqueles que têm medo ou
dos indiferentes, para lhes dizer: «O Senhor também te chama para seres parte
do seu povo, e fá-lo com grande respeito e amor» (EG 113).
Porque o nosso Deus nos respeita mesmo nas nossas baixezas e no nosso pecado.
Com quanta humildade e com quanto respeito o texto do Apocalipse descreve esta
chamada do Senhor: «Eis que estou à porta, e bato» Queres abrir? Jesus não
força, não faz saltar a fechadura, simplesmente “toca a campainha”, bate
suavemente e espera. Este é o nosso Deus!
A missão da Igreja,
enquanto sacramento da salvação, condiz com a sua identidade de povo em caminho,
com a vocação de incorporar na sua marcha todas as nações da terra. Quanto mais
intensa for a comunhão entre nós, tanto mais sairá favorecida a missão (cf.
João Paulo II, Pastores gregis,
22). Colocar a Igreja em estado de missão pede-nos para recriarmos a comunhão,
pois já não se trata de uma ação voltada só para fora; fazemos missão também
para dentro e missão para fora, manifestando-nos como se manifesta uma «mãe que
vai ao encontro», como se manifesta «uma casa acolhedora, uma escola permanente
de comunhão missionária» (Aparecida 370).
Este sonho de
Jesus é possível, porque nos consagrou: «Totalmente Me consagro - diz
- para que também eles sejam consagrados por meio da Verdade». A vida
espiritual do evangelizador nasce desta verdade tão profunda, que não se
confunde com uns poucos momentos religiosos que proporcionam algum alívio; uma
espiritualidade talvez superficial. Jesus consagra-nos, para suscitar um
encontro com Ele, de pessoa a pessoa, um encontro que alimenta o encontro com
os outros, o compromisso no mundo e a paixão evangelizadora (cf. EG 78).
A intimidade de Deus,
incompreensível para nós, é-nos revelada através de imagens que nos falam de
comunhão, comunicação, doação, amor. Por isso a união, que Jesus pede, não é
uniformidade, mas a «multiforme harmonia que atrai» (EG 117).
A imensa riqueza da variedade, da multiplicidade que alcança a unidade todas as
vezes que fazemos memória daquela Quinta-feira Santa, afasta-nos de tentações
de propostas unionistas mais próximas de ditaduras, de ideologias ou de
sectarismos. A proposta de Jesus é concreta, não é de ideia. É concreta: “- vai
e faz o mesmo”, disse Jesus para aquele homem que lhe perguntara: - Quem é o
teu próximo? Depois de ter contado a parábola do bom samaritano, Jesus disse:
“- vai e faz o mesmo”.
A proposta de Jesus
também não é um arranjo feito à nossa medida, no qual ditamos as condições,
escolhemos alguns membros e excluímos os outros. Esta religiosidade de elite…
Jesus reza para que façamos parte de uma grande família, na qual Deus é nosso
Pai, todos nós somos irmãos. Ninguém é excluído e isto não se fundamenta no
fato de ter os mesmos gostos, as mesmas preocupações, os mesmos talentos. Somos
irmãos, porque Deus nos criou por amor e, por pura iniciativa d’Ele, nos
destinou para sermos seus filhos (cf. Ef 1, 5). Somos irmãos,
porque «Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: “Abbà!
– Pai!”» (Gl 4, 6). Somos irmãos, porque, justificados pelo sangue
de Cristo Jesus (cf. Rm 5, 9), passamos da morte à vida,
fazendo-nos «co-herdeiros» da promessa (cf. Gl 3, 26-29; Rm 8,
17). Esta é a salvação que Deus realiza e a Igreja alegremente anuncia: fazer
parte dum «nós» que chega até o «nós» divino.
O nosso grito, neste
lugar que lembra aquele primeiro da liberdade, atualiza o grito de São Paulo:
«Ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16). É tão urgente e
premente como o daqueles desejos de independência. Possui fascínio semelhante,
possui o mesmo fogo que atrai. Irmãos, tende os mesmos sentimentos de Jesus:
Sede um testemunho de comunhão fraterna que se torne resplandecente!
E que belo seria se todos pudessem
admirar como nos preocupamos uns pelos outros; como mutuamente nos animamos e
fazemos companhia. É o dom de si que estabelece a relação interpessoal; esta
não se gera dando «coisas», mas dando-se a si mesmo. Em qualquer doação, é a
própria pessoa que se oferece. «Dar-se» significa deixar atuar em si mesmo toda
a força do amor que é o Espírito de Deus e, assim, dar lugar à sua força
criadora. E dar-se mesmo nos momentos mais difíceis, como naquela Quinta-feira
Santa de Jesus, quando Ele sabia como se teciam as traições e as intrigas, mas
deu-se, deu-se a nós com o seu projeto de salvação. Dando-se, o homem volta a
encontrar-se a si mesmo com a verdadeira identidade de filho de Deus,
semelhante ao Pai e, como Ele, doador de vida, irmão de Jesus, de Quem dá
testemunho. Isto é evangelizar, esta é a nossa revolução – porque a nossa fé é
sempre revolucionária – este é o nosso grito mais profundo e constante.
Palavras improvisadas
ao final da missa no Parque Bicentenário:
Queridos irmãos,
Agradeço-vos por esta concelebração,
por ter-nos reunidos junto do Altar do Senhor, que nos pede que sejamos um, que
sejamos verdadeiramente irmão, que a Igreja seja uma casa de irmãos. Que Deus
vos abençoe e peço-vos que não vos esqueçais de rezar por mim.
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