FONTE: CNBB (Segunda, 24 Fevereiro 2014 18:44)
Dom Jaime Pedro Kohl
Bispo de Osório (RS)
Nestes domingos do tempo comum, a liturgia vem
alimentando nossa espiritualidade com os belíssimos textos do Sermão da
Montanha. Para esta semana meditamos Mt 5, 38-48, um dos tesouros da
radicalidade evangélica proposta por Jesus aos seus discípulos.
O contexto é este: depois de abrir o seu discurso
programático com as Bem-aventuranças, Jesus retoma o conteúdo dos Dez
Mandamentos e para cada um acrescenta uma perspectiva nova: “Vos foi dito... eu
vos digo...”. Deixando, assim, claro que não veio para abolir a Lei, mas para
levá-la a cumprimento.
Vejamos como começa: “Vós ouvistes o que vos foi
dito: Olho por olho e dente por dente! Eu, porém, vos digo: não enfrenteis quem
é malvado! Pelo contrário, se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe
também a esquerda!”
Não sei quem de nós, hoje, tem essa maturidade
espiritual e controle emocional a ponto de oferecer a outra face. Humanamente
falando, parece impossível acontecer, uma meta inatingível, mas evangelicamente
falando, é uma atitude possível e, não foram poucos os cristãos e, também não
cristãos, que alcançaram tal nível de maturidade. Retribuir ao mal com o bem
exige uma certa heroicidade.
“Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e
odiarás o teu inimigo! Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e rezai por
aqueles que vos perseguem! Assim, vos tornareis filhos do vosso Pai que está
nos céus, porque ele faz nascer o sol sobre os maus e bons e faz cair a chuva
sobre justos e injustos.”
Não é isso bonito demais!? Mais uma vez estamos
diante da proposta de Jesus aos que querem ser de verdade seus discípulos. E
ele nos mostrou que isso é possível, dando-nos o maior exemplo da história,
rezando ao Pai por aqueles que o estavam a crucificar: “Pai perdoa-lhes, pois
não sabem o que fazem!” Exemplo que foi seguido pelo diácono Estevão – primeiro
mártir − e imitado por muitos outros, a começar dos apóstolos que praticamente
todos – menos João – morreram derramando seu sangue em nome de Jesus.
Pode parecer um ideal muito alto para nós e
achamos que isso que seja somente para uns escolhidos. Contudo, Jesus propõe
esse ideal para os que querem ser cristãos. Como agimos nós, geralmente? Se
quem fraternamente nos corrige, somos capazes de andar de cara amarrada por
dias e semanas, embora o que nos é dito seja verdade e deveríamos responder
agradecendo a ajudar que nos fez crescer. Até somos prontos a confessar que
somos todos pecadores, mas quando alguém nos ajuda a abrir os olhos, fazendo
alguma observação, quanto é difícil acolher a correção fraterna. Não é assim?
A frase que segue nos ajuda a cair na real: “Se
amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os cobradores de
impostos não fazem a mesma coisa? E se saudais somente os vossos irmãos, o que
fazeis de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa?”
Penso em quem se atreve a discordar de Jesus:
amar quem nos ama não é difícil para ninguém, a menos que a pessoa não esteja
psicologicamente doente. Dar-se bem com os que nos são simpáticos e pensam como
nós, acolher os que nos querem bem e nos tratam com cortesia, não exige muito
esforço de nossa parte. Mas aceitar aquele birrento, arrogante, antipático,
sempre do contra e insatisfeito, aí sim se manifesta a virtude e a força da
graça que Deus dá aqueles que lhe pedem e o buscam com sinceridade.
E vejamos como Jesus arremata: “Sede perfeitos
como vosso Pai celeste é perfeito!” Vem espontâneo perguntar-se: de que
perfeição Jesus está falando?
Não sei se perceberam. O sentido será facilmente
compreendido tendo presente o texto no seu todo. Podemos traduzir sem medo de
errar: “sede perfeitos no amor e na misericórdia!” Sim, Ele age assim: faz
nascer o sol não só sobre alguns bons, mas sobre “maus e bons”; e não faz
chover somente sobre os que são justos, mas sobre “justos e injustos”.
Portanto, a perfeição do Pai que Jesus nos pede
está bem longe daquilo que na maioria das vezes as pessoas pensam, ou seja, a
condição de quem não tem nenhum defeito ou limite humano ou mesmo pecado. Jesus
nos pede de sermos perfeitos na compaixão, no amor, no perdão e na
misericórdia.
Podemos traduzir: “Sede misericordiosos como
vosso Pai celeste é misericordioso!” Não é isso bonito e possível? Entremos
nessa e veremos como a vida fica mais bonita e mais feliz. Deixemo-nos iluminar
pela Palavra de Deus e aos poucos nos tornaremos como nos dizia São João
Calábria: “Evangelhos vivos!”
Assim vivendo podemos ser “sal da terra e luz do
mundo” como nos convidava no domingo passado.
Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos...
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