FONTE: CNBB (SEXTA, 04 JULHO 2014 13:04)
Dom Demétrio Valentini Bispo de Jales (SP)
Independente do resultado, pensei de
homenagear a copa do mundo, com a crônica que escrevi anos atrás, quando o
Internacional, de Porto Alegre, ficou campeão mundial. Daquela vez, o
desconhecido jogador Gabiru fez o gol da vitória. Segue a crônica.
“ Habemus Gabiru!”
Parecia mesmo castigo. No domingo em
que o Inter ia jogar a partida mais importante de sua história, precisei
colocar duas missas, justo no horário do jogo. Uma na catedral às sete e meia,
outra em Turmalina, às nove horas.
O jeito era rezar durante o jogo, e só
saber do resultado depois que tudo tivesse terminado!
Como a missa na catedral era
transmitida pela rádio, mandei um recado a Turmalina: a celebração só começaria
pelas nove e quinze. Assim ganhava quinze minutos para ao menos conferir o
andamento da partida, entre uma missa e outra.
Encurtei o sermão. Afinal, dá para
dizer muita coisa em poucas palavras. E pude passar em casa, onde liguei a
televisão, apreensivo para conferir se o Barcelona já tinha feito algum estrago
fatal.
Mas não. A batalha estava sendo travada
com valentia. Nossos soldados lutavam com determinação. E o sorriso do
Ronaldinho era amarelo. Senti firmeza. Desliguei a televisão, e parti para
Turmalina, onde o povo me esperava, e não estava nem aí com o jogo do Inter.
Tinha quinze minutos para devorar trinta quilômetros. Enquanto isto, o Clemer
pegaria todas!
Passei voando pelo trevo de Vitória Brasil. Foi lá que em 2002 a Globo filmou com antecedência a vibração do povo pela “vitória” do Brasil, que depois não aconteceu. Pensei: - quem sabe desta vez daria para aproveitar as imagens, com a vitória do Inter. Por que não?
Antes de iniciar a missa em Turmalina,
me certifiquei pela rádio que o primeiro tempo tinha terminado zero a zero.
Ainda bem!
Mas, agora não havia outro jeito. A
missa, com a celebração da crisma, iria durar no mínimo uma hora e meia.
Enquanto isto, sabe lá o que iria acontecer no segundo tempo!
Fiquei com a estranha sensação de viver
desconectado do mundo, sem saber nada dos momentos decisivos que marcam a
história.
Confiei que o Abel saberia tomar todas
as providências. Procurei me concentrar na celebração. A Igreja estava cheia,
todos atentos à liturgia. Eu também!
Escutei bem as palavras de S. Paulo:
“Alegrai-vos, vos digo de novo, alegrai-vos!”. Será que ele estava falando aos
colorados?
O tempo ia passando. Chegou a hora da
renovação das promessas batismais. Pelos meus cálculos, a partida devia estar
chegando ao final. Fiquei pensando que era mais fácil acreditar na Santíssima
Trindade do que acreditar que o Inter estava ganhando do Barcelona. Mas,
impossível não era. E isto me dava uma teimosa esperança de que no final tudo
ia terminar bem!
Olhava pela porta da igreja, não via
ninguém se movimentando na praça. Dentro da igreja, ninguém que me fizesse ao
menos o sinal de positivo. Nada!
Aos poucos vi alguns carros se
movimentando. Calculei que teriam visto o jogo, e saíam para espairecer um
pouco. Mas ninguém vibrava, não dava para deduzir nada. Também, naquela pacata
cidade de S. Paulo só havia palmeirenses e corintianos, com certeza nenhum
colorado.
Fui me conformando. O silêncio parecia
anunciar uma fatalidade. Fazer o quê? Como tudo já devia ter acontecido, não
adiantava mais ficar torcendo.Fui concluindo a missa com calma, escutei as
longas mensagens das catequistas, dei a bênção ao povo, atendi a todos os
crismandos que queriam tirar foto com o bispo. Talvez lá no Japão também
estivessem tirando fotos. Talvez!
Finalmente, tinha concluído a
celebração. Fui tirando os paramentos, fui me despedindo das pessoas, e fui
saindo em direção ao carro.
Experimentei de novo a estranha
sensação de estar desconectado, junto com a apreensão de receber uma notícia
ruim, de estragar o dia inteiro. Preparei o meu espírito para tudo. Afinal, era
preciso saber o resultado.
Abri a porta do carro, e liguei direto
a Rádio Gaúcha!
Reconheci a voz do Abel, que estava
dando entrevista.
Parecia calmo, pensei que estava
explicando a derrota. Mas, olha só, ele falou que examinou três jogos do
Barcelona, espera aí, quer dizer... E’ isto mesmo! “Foi uma vitória da determinação”!
Bastou ouvir isto do Abel. Com tanta
sede de notícias, bastava esta, para entender o essencial: uma vitória da
determinação! Só podia ser do Inter. E me mandei em disparada pela rodovia. A
certa altura, parei para sintonizar de novo a rádio. Justo no momento em que
repetia a narração do gol.
Aí entendi tudo! Uma jogada esplêndida,
um jogo heróico, uma vitória merecida, um campeão indiscutível!
O Barcelona, cheio de estrelas, com
seus nomes badalados e conhecidos em todo o mundo. Mas com certeza nenhum deles
tinha sequer ouvido falar do Gabiru!
Eles têm astros famosos, nós temos o
Gabiru!
Assim concluí as liturgias da manhã com
a melhor das bênçãos, para alegria, sim, de todos os colorados e do Brasil
inteiro que torceu com eles:
“Aleluia, habemus Gabiru!” E somos
campeões do mundo!
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