terça-feira, 22 de abril de 2014

Eucaristia e Páscoa




FONTE: CNBB (Terça, 22 Abril 2014 11:42)
Cardeal Orani João Tempesta 
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)

“Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”.

Esta é a tarde que faz memória da Ceia Pascal de Jesus. Aquilo que o Senhor realizou durante toda a vida e consumou na cruz – isto é, sua entrega de amor total ao Pai por nós –, ele quis nos deixar nos gestos, nas palavras e nos símbolos da Ceia que celebrou com os seus. Naquela Mesa Santa do Cenáculo, estava já presente, em símbolos e gestos, a entrega amorosa do Calvário. É isto que celebramos neste momento sagrado, momento de saudade, de aconchego e de despedida. Era em família que os judeus celebravam o Banquete pascal... Jesus celebrou com seus discípulos, conosco, sua família: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim,” até o extremo de entregar a vida, pois “não há maior prova de amor que entregar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).


Nesse final de tarde e início de noite, Ele se fez nosso servo, Ele lavou nossos pés, porque “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10,45). Lavando os nossos pés, Ele revelou de modo admirável seu desejo de nos servir, dando a vida por nossa salvação.

Hoje, Ele nos deu o novo mandamento: “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo para que façais a mesma coisa que eu fiz”. Assim fazendo e assim falando, o Senhor nos ordena, por amor a Ele, que nos sirvamos mutuamente, nos amemos mutuamente, nos aceitemos e perdoemos mutuamente, até dar a vida uns pelos outros. Eis nosso testamento, nossa riqueza e também nossa vergonha, por que tantas vezes descumprimos o desejo do Senhor! Que contemplando o gesto do Senhor, hoje nos demos o perdão. Eu vos peço em nome de Cristo: reconciliai-vos em família, por amor de Cristo; reconciliai-vos na paróquia, nos grupos e movimentos de Igreja, por amor Daquele que nos amou assim e nos deu o exemplo! Por Aquele que se deu a nós nesta tarde bendita, perdoemo-nos, acolhamo-nos, amemo-nos! Assim, caríssimos, celebraremos a Santa Páscoa no domingo próximo, participando hoje desta Ceia bendita!
O Senhor – para que tenhamos a força de amar como ele, de confiar amorosamente no Pai como ele, de amar os irmãos como ele – instituiu hoje o Sacramento do amor, a Eucaristia. Hoje ele quis permanecer conosco no Pão e no Vinho, como sacramento do seu Corpo e Sangue, imolado e ressuscitado para ser nossa oferta ao Pai, nosso alimento no caminho e nosso penhor de ressurreição e vida eterna. Quanta gratidão, quanto reconhecimento devem brotar do nosso coração! Seu Corpo por nós imolado, seu Sangue por nós derramado, Jesus por nós entregue – sacramento de um amor eterno, de uma entrega sem fim, de uma presença perene! Comungar hoje do Corpo e do Sangue do Senhor é não somente unir-se a ele, mas estar disposto a ir com ele até a cruz e a morte! “O cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo?” (1Cor 10,16). Que grande mistério esta união de vida e de morte com nosso Senhor pela Eucaristia! Não reneguemos na vida e nas ações Aquele que hoje nos convida à sua mesa e conosco celebra a sua Páscoa!

Bento XVI, em 2007, nos ensinou que: "Ninguém me tira a vida; sou Eu que a dou por mim mesmo". Agora, Ele oferece-a a nós. O haggadah pascal, a comemoração da ação salvífica de Deus, tornou-se memória da cruz e da ressurreição de Cristo, uma memória que não recorda simplesmente o passado, mas atrai-nos à presença do amor de Cristo. E assim a berakha, a oração de bênção e de ação de graças de Israel, tornou-se a nossa Oração Eucarística, em que o Senhor abençoa as nossas oferendas pão e vinho para, nelas, se entregar a si mesmo. É também o mistério de sua cruz que é renovado em cada missa. Oremos ao Senhor para que nos ajude a compreender cada vez mais profundamente este mistério maravilhoso, a fim de O amarmos sempre mais e, nele, para que O amemos cada vez mais. Peçamos-lhe que nos atraia com a Sagrada Comunhão cada vez mais para junto de si. Rezemos para que Ele nos ajude a não conservar a vida para nós mesmos, mas a oferecê-la a Ele e, desta forma, a trabalhar juntamente com Ele, a fim de que os homens encontrem a vida, a vida verdadeira, que só pode vir Daquele que Ele mesmo é o Caminho, a Verdade e a Vida!”

Hoje, para presidir a Eucaristia e ser um sinal do Senhor, mestre e servidor, Cristo, na Ceia, instituiu o sacerdócio ministerial: aqueles que em seu nome e por sua ordem deverão presidir a Celebração eucarística até que Ele volte.

Guardemos no mais profundo do coração os mistérios desta Missa na Ceia do Senhor. Um amor tão grande, uma entrega tão total deve mover nosso coração, deve nos fazer sentir compungidos, desejosos de abrir nossa vida para o Cristo e realmente caminhar com Ele. Tudo, nesta celebração, respira amor, fala de amor: recordem o cordeiro imolado da primeira leitura – é o Cristo que por nós é imolado; pensem no pão sem fermento que partimos e no cálice da aliança que repartimos, na segunda leitura – é ainda o Cristo que se deixa ficar entre nós e em nós, como alimento e vida nova, plena do Espírito do Pai; recordem o Senhor inclinado, lavando-nos os pés, dando-nos a vida e dizendo a você e a Pedro: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo”– é o Senhor na sua pura entrega de amor por nós! E a grande manifestação pública do amor de Deus entre nós é a vivência cotidiana da Páscoa na promoção da cultura da vida e na promoção da paz. Vamos dar um basta definitivo à violência e vamos valorizar a vida em plenitude!

Que nestes dias celebremos estes santos mistérios pascais com piedade, espírito de adoração profunda e profunda gratidão para com Aquele que por nós quis entregar-se às mãos dos malfeitores e sofrer o suplício da cruz. Não fiquemos indiferentes, não sejamos frios: tudo quanto celebrarmos foi por nós que o Senhor instituiu e para a nossa salvação que realizou! E que, pela Páscoa deste ano de 2014, Ele se digne conduzir-nos à Páscoa eterna. Amém!

Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
“Oh noite ditosa, em que o céu se une à terra, em que o homem se encontra com Deus!” (Proclamação da Páscoa).

Estamos na festa da Páscoa, que é a festa cristã por excelência. Escutamos no evangelho: “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).

A Páscoa de Jesus deu-se dentro da Páscoa judaica: foi nesse contexto que ele instituiu e celebrou a sua. Na Páscoa de Jesus a Páscoa judaica é cumprida, isto é, encontra sua realização plena: a libertação definitiva não foi aquela, dos que saíram do Egito, atravessaram o mar e entraram na Terra Prometida, mas sim a de Jesus, que saiu deste mundo, atravessou o mar tenebroso da morte e entrou na plenitude do Pai.

A palavra “páscoa” é explicada como significando “passagem”: "passagem" porque Deus feriu os primogênitos dos egípcios, mas “passou” adiante na casa dos hebreus, poupando seus primogênitos: Deus passou pelo Egito e “pulou” as casas do povo de Israel (cf. Ex 11,1-10); "passagem" também porque Israel passou pelo mar, saindo do estado de escravidão para a liberdade, como povo: o Senhor Deus "passou" pelo Egito para fazer seu povo "passar"! Quando Deus "passou" pelo seu povo, o povo de Deus "passou" para uma nova vida, para a liberdade rumo à Terra Prometida. Nosso Deus é assim: passando, faz passar! É isso que os judeus celebram na Páscoa atualizando esse acontecimento. Jesus celebra agora a sua Páscoa, sua “passagem deste mundo para o Pai”! Ele mesmo afirmou, certa vez: “Saí do Pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e volto ao Pai!” (Jo 16,28).

A Páscoa de Jesus é um ato de amor total e extremo por nós... é para nossa salvação que Jesus fez sua Páscoa. Fez sua "Passagem" para que também nós façamos a nossa: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”, até o extremo. É verdade que traíram Jesus, humilharam-no, tiraram-lhe a vida... Mas, por outro lado, ele se entregou livremente, em obediência ao desígnio do Pai: "Eu dou minha vida para retomá-la. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou livremente. Tenho poder de entregá-la e poder de retomá-la; este é o mandamento que recebi do meu Pai" (Jo 10,17s). E isto, por amor a nós, pois morrendo e ressuscitando, ele nos daria o seu Espírito Santo, no qual ele mesmo fora ressuscitado, de modo que a "passagem" de Jesus para o Pai nos abrisse o caminho e pudéssemos "passar" também para o Pai: “Vou preparar-vos um lugar, e quando eu me for e vos tiver preparado um lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que onde eu estiver, estejais vós também. Eu sou o Caminho!” (Jo 14,2.6).

Esta Páscoa sagrada do Senhor e nossa, a Igreja celebra a cada Domingo e até a cada dia na Eucaristia e, de modo soleníssimo, uma vez ao ano, com o Tríduo Pascal e os subsequentes cinquenta dias, concluindo com a solenidade de Pentecostes, celebração do dom do Espírito que o Ressuscitado fez e faz à sua Igreja. Na potência do Espírito, no qual ele mesmo foi ressuscitado pelo Pai, Jesus está e estará sempre conosco, de modo real e concreto, guiando a preservando a sua Igreja, até a consumação dos séculos.

Um Dia, que já não mais será um dos dias deste nosso tempo, o Senhor morto e ressuscitado, "Cordeiro de pé, como que imolado" (Ap 5,6), se manifestará na glória do seu Espírito Santo – o mesmo que já habita em nós desde o batismo – e levará todas as coisas à plenitude. Então, tendo transfigurado tudo no seu Espírito, Cristo entregará tudo ao Pai e o Reino de Deus será plenamente consumado... e nós, plenificados, estaremos eternamente com o Senhor, num mundo liberto e renovado... e Deus, o Pai, será tudo em todos, pelo Filho, na glória do Espírito (cf. 1Cor 15,20-28).
Bento XVI, na Vigília Pascal de 2012: “O Precônio, o grande hino que o diácono canta ao início da Liturgia Pascal, de modo muito discreto chama a nossa atenção ainda para outro aspecto. Lembra-nos que o material do círio se fica a dever, em primeiro lugar, ao trabalho das abelhas; e, assim, entra em cena a criação inteira. No círio, a criação torna-se portadora de luz. Mas, segundo o pensamento dos Padres, temos aí também uma alusão implícita à Igreja. Nesta, a cooperação da comunidade viva dos fiéis é parecida com o trabalho das abelhas; constrói a comunidade da luz. Assim podemos ver, no círio, também um apelo dirigido a nós mesmos e à nossa comunhão com a comunidade da Igreja, que existe para que a luz de Cristo possa iluminar o mundo. Neste momento, peçamos ao Senhor que nos faça sentir a alegria da sua luz, de modo que nós mesmos nos tornemos portadores da sua luz, para que, através da Igreja, o esplendor do rosto de Cristo entre no mundo (cf. LG 1).

Neste momento da história, em que temos tantos desafios e interpelações, a Igreja se coloca em perspectiva de conversão pessoal e comunitária. Das raízes mais profundas de nossa comunhão com Deus, vivenciada através dos exercícios quaresmais, deve brotar o ímpeto renovador que impregne nossa vida e oriente para a missão.

Ao mesmo tempo em que reflete sobre si mesma, a Igreja vibra da alegria no anúncio do Evangelho. Não pode deixar de exultar no Espírito Santo, juntamente com seu Senhor, por ver e ouvir as maravilhas pelas quais esperaram os profetas e que foram a nós concedidas (cf. Lc. 10,21-24). E agora esta alegria se expande no louvor ao Ressuscitado.

Eis a nossa fé, nossa certeza, nossa esperança, nosso sonho... já começado no Dia da Páscoa! A Ressurreição não é uma ilusão, não é uma quimera; é uma estupenda Realidade: "Eu sou a Ressurreição! Quem crê em mim, ainda que morra, viverá!" (Jo 11,25).

Portanto, a celebração da Páscoa deve renovar nossa esperança no mundo de paz, sem guerras, sem violência e sem ódio. Disse Jesus “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9).

Partilhando as alegrias da Páscoa de Nosso Senhor desejo a todos uma Feliz Páscoa. O Senhor ressuscitou de verdade! Aleluia!

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